Recebido de forma divisiva perante a crítica, Adão Negro chegou aos cinemas na última semana e marca, no momento de fechamento deste texto, 39% de aprovação no Rotten Tomatoes, nota 41/100 no Metacritic e 7,1/10 no IMDB. O mesmo não se pode dizer da recepção de boa parte dos fãs, representados por uma aprovação de 90% no mesmo Rotten Tomatoes. E essa observação diz muito a respeito do filme e para quem ele se destina; foi feito de um fã, para os fãs.
Desde que foi anunciado como Adão Negro em 2007, muita coisa aconteceu, mas sem dúvidas The Rock teve muito tempo para pensar na história que gostaria de contar. Apesar do roteiro que deixa a desejar, cada cena de ação entregue pelo diretor Jaume Collet-Serra (A Órfã, Casa de Cera) parece arrancada de uma página de HQ e estampada na tela do cinema. Entretanto, para entender o papel que Adão Negro desempenha é preciso olhar para além do filme, compreender os bastidores do estúdio e, especialmente, a importância que sua estrela principal angariou dentro da Warner Bros. Discovery.
Há alguns meses o mundo do entretenimento foi pego de surpresa com a chocante notícia do cancelamento de Batgirl, filme solo da heroína de Gotham que estrearia de forma exclusiva na HBO Max. O fato foi especialmente impactante pelo fato de o filme estar praticamente pronto para o lançamento.
Muitas versões sobre o cancelamento foram contadas à época, inclusive o fato de que ele geraria uma economia milionária de impostos à empresa. Mas há algo mais profundo a ser analisado aí; embora inserido no universo compartilhado da editora, Batgirl claramente daria uma guinada, por exemplo trazendo de volta o Batman de Michael Keaton e apagando/ignorando a existência do Batman original deste universo, interpretado por Ben Affleck.
A DC Filmes, à época ainda comandada por Walter Hamada, demonstrava pouco ou nenhum apreço à ideia original de universo compartilhado concebida por Zack Snyder, tendo gastado a maior parte da sua energia na produção de filmes independentes como Coringa e The Batman, que atingiram inegável sucesso de crítica e bilheteria.
De toda forma, uma parcela relevante dos fãs nunca perdeu as esperanças de que os maiores heróis da Terra fossem outra vez se encontrar nas telonas, como fazem dia sim, outro também, nos gibis. E, ao que tudo indica, a nova direção do estúdio compartilha do mesmo sentimento.
A fusão da Warner Bros. com a Discovery, que catapultou a figura de David Zaslav ao posto de CEO da nova companhia, marcou uma nova mudança de rumo nas produções da DC. Em praticamente todas as suas aparições públicas, Zaslav comenta sobre o potencial das produções da DC e, especialmente, como esse potencial tem sido desperdiçado nos últimos anos. Muito tem sido feito, de maneira silenciosa ou com estardalhaço, para mudar essa situação; o cancelamento de Batgirl e outras produções, além da transformação da DC Filmes em um estúdio independente, comandado por um(a) arquiteto(a) ainda a ser definido(a), são apenas algumas delas.
Todos que já tenham assistido Adão Negro conseguem compreender claramente que este é um filme que não nega suas origens e sabe exatamente em qual local do tempo e espaço está colocado, não deixando restar quaisquer dúvidas que atualmente existem sim planos de se retomar o Universo Estendido da DC nos cinemas.
O filme de The Rock vai além do mero aproveitamento de personagens previamente estabelecidos, como fez Aves de Rapina, e muito além do fan service gratuito de Shazam!, que faz discretos acenos à existência de outros heróis na mesma realidade e apresenta um folclórico Superman-sem-cabeça na cena pós-créditos. Adão Negro não apenas introduz novos personagens ao Universo DC dos cinemas, além do personagem-título, mas apresenta também uma nova super-equipe e demonstra que dentro deste vasto multiverso há muito que ainda não vimos, tanto no passado, quanto no futuro.
ATENÇÃO: A partir deste ponto o texto contém spoilers de Adão Negro.
Há todo um atual ecossistema que permitiu que Adão Negro existisse como peça deste tabuleiro tal como é; uma delas é a reoganização societária da Warner Bros. Discovery sob o guarda-chuva de David Zaslav, que já comentei. A segunda é, inegavelmente, o papel de Dwayne Johnson na atual conjuntura do estúdio, que parece ir além de dar vida ao protagonista do longa e que mergulha nos bastidores das produções. Isso mesmo, das produções, plural, pois se engana quem imagina que The Rock vai deixar a influência que construiu dentro do estúdio escapar por entre os dedos depois de conseguir o que muitos achavam ser impossível: retirar o Superman de Henry Cavill de uma longa estadia na geladeira.
Durante toda a produção e divulgação do filme, Dwayne Johnson nunca perdeu a oportunidade de dizer que a “hierarquia de poder do Universo DC estava prestes a mudar”, o que acabou virando piada tantas vezes foi repetido. Se enganaram aqueles que pensaram que o astro se referia apenas ao mundo fictício das telonas.