Titãs | A massiva hipocrisia dos fãs sobre o visual da Estelar na série

      As redes sociais se tornaram um monstro grotesco que, buscando saciar sua fome infinita, se alimenta de polêmicas, ódio e preconceito. Basta surgir uma foto amadora (e às vezes até mesmo as de divulgação) de um ator ou atriz num set de filmagem que os “fãs” surgem de todos os lados para darem seus veredictos. Ou até mesmo a revelação da sexualidade de um determinado personagem, ou o conceito de legado sendo aplicado quando um personagem de outra etnia assume o manto de um heróis tradicionalmente brancos. O mais novo banquete para esse monstro foram as fotos vazadas dos bastidores da série dos Jovens Titãs (cujo nome original é Titãs), que está sendo gravada e produzida pela Warner e será exibida no vindouro serviço de streaming da DC Comics, o DC Digital. Conforme você leu aqui no Terraverso, foram vazadas algumas fotos que mostram o Robin (Brendon Thwaites), Mutano (Ryan Potter), Ravena (Teagan Croft) e Estelar (Anna Diop) filmando alguma cena externa nas ruas.

      Logo que vazaram, as fotos foram compartilhadas inúmeras vezes. Até aí tudo bem, aconteceu o mesmo com as fotos que revelaram o uniforme do Shazam. O problema é que o caso dos Titãs foi um pouco mais agressivo. A primeira foto a ser vazada foi a que aparecem o Mutano e a Ravena. As críticas foram bem moderadas, muitas delas comparando Ryan Potter ao apresentador Yudi Tamashiro e ao cabelo da Ravena. Também vazou uma simples foto do Robin andando na rua na sua identidade de Dick Grayson, que não teve nenhuma crítica, mas sim elogios a beleza do ator Brendon Thwaites (que realmente é muito lindo). Mas o pior estava por vir.

      A foto que realmente foi notada pela “comunidade nerd” foi a que aparece a Estelar:

      Cabe aqui uma pequena recordação. Em agosto de 2017 foi divulgado oficialmente que a intérprete da personagem seria a atriz Anna Diop. Claro que o nome não foi bem aceito, afinal, segundo os comentários da época, a Estelar não era negra. Mesmo a personagem sendo uma alienígena de pele laranja, os “fãs” acharam um absurdo a  escolha. Mas, com muito custo, as pessoas começaram a esquecer o assunto. A série foi sendo produzida quase que em sigilo total. Até que no dia 11 de abril, as fotos chegaram ao público. Aí aqueles que se dizem fãs, não economizaram naquela dose concentrada de ódio e preconceito.

      A foto mostra a atriz com um casaco de frio (típico do rigoroso inverno americano) com um vestido roxo por baixo. E seus cabelos estão tingidos de rosa, com o cabelo bem crespo e um pouco armado. É importante notar que a foto foi feita no meio da rua, sem nenhum contexto da cena que estava sendo filmada, sem nenhuma pós produção e principalmente num ambiente descontraído. Mas mesmo isso sendo nítido, não foi o suficiente para acalmar  as redes sociais. Comparações entre cosplayers brancas e a foto de Anna foram feitas, com a intenção de diminuir a atriz mostrando que até amadores “poderiam fazer melhor”. Outros diziam que estavam destruindo suas infâncias, pois a caracterização exibida na foto nada tem e ver com o ótimo desenho exibido entre 2003 e 2006. E ainda tivemos os clássicos leitores de gibis que adoram bradar o chavão da falta de fidelidade com o material original. Todo esses comentários, levaram a atriz Anna Diop publicar o seguinte desabafo:

      “Para os fãs dos “Titans”:
      Ontem uma foto minha no set vazou online. E foi uma pena porque os fãs estavam esperando MESES por uma foto da ‘Estelar’ e veio uma foto desleixada (?) de mim em um meio-fio de 15 graus, é o que eles conseguiram ? Para o bem de nossos incríveis fãs – eu odiei que essa seja a primeira foto que as pessoas estão vendo. Está fora do contexto e é uma deturpação do personagem incrível que eu posso interpretar. E também uma deturpação da produção fenomenal por trás de tudo. Dito isso – o discurso de ódio que se seguiu foi deplorável. E embora eu seja altamente despreocupada, eu quero usar isso como uma oportunidade para dizer que destruir as pessoas não é algo que eu tolero. Para mim ou para qualquer outra pessoa. Demasiadas vezes, a mídia social é abusada por alguns que encontram refúgio no anonimato e no desapego que ela oferece: mal usada como uma ferramenta para perseguir, abusar e vomitar ódio contra os outros. Isso é fraco, triste e um reflexo direto do abusador.
      Comentários racistas, depreciativos e / ou cruéis não têm nada a ver com a pessoa que recebe o abuso. E porque eu sei disso – eu não me importo 🙂 Mas para qualquer um que não possa – eu estou aqui para lembrar que qualquer coisa feia e negativa que alguém escolha dizer sobre você é sempre uma reflexão e revelação de si ,NÃO define você, e certamente não faz você menos perfeito – Seja você! Fique linda! 
      Muito amor ? “

      No primeiro caso, a comparação é bem injusta. Os cosplayers tem como objetivo de sua arte (sim, cosplay é arte) transpor os seus personagens favoritos para o mundo real, através de caracterizações que representam com fidelidade uma fase de um personagem. O que está sendo feito na série é uma adaptação, ou seja, estão pegando personagens e criando uma história nova com alguns elementos e referências a histórias originais. A adaptação passa também pelo visual dos personagens, que pode ser explicado pelo contexto no qual a história será contada. Assim, esse argumento é logo quebrado, pois são conceitos diferentes sendo comparados.

      Já o segundo caso é sustentado pela nostalgia. Muitas das pessoas que assistiram o desenho, tanto no Cartoon Network quanto nas manhãs do SBT, hoje tem por volta dos seus 20 a 25 anos. E sofrem do mesmo problema que a minha geração sofreu. Quando anunciaram que um novo anime de Cavaleiros do Zodíaco estava sendo produzido, muito fãs ficaram agitados. Mas logo surgiu a decepção quando vieram as primeiras informações do anime. Era Cavaleiros do Zodíaco Ômega. A falsa nostalgia tomou conta das pessoas, transformando aquela agitação em decepção, raiva e posteriormente em ódio. CDZ Ômega é apontado por muitos como a pior fase do anime, mas fez sucesso entre as crianças e durou três temporadas. Veja bem, fez sucesso entre as crianças. O mesmo fenômeno aconteceu quando foi anunciada a série Teen Titans GO!. Os fãs do desenho original sofreram uma montanha russa de sentimentos. E olha lá o desenho fazendo sucesso também. O ponto aqui é: até onde você deixa a sua nostalgia te impedir a conhecer algo novo?

       

      A terceira ponta nessa tríade tensa são os fãs de gibis. Sim, esses mesmos. Esses que adoram pegar um megafone e gritar que a diversidade está acabando com os gibis. Esses que tem como esporte favorito criticar aquilo que não leram. E parece que não lêem mesmo. Estelar foi criada por Marv Wolfman e George Perez em 1980. Ela é uma princesa alienígena, veja bem, alienígena do planeta Tamaran, onde as pessoas têm suas peles em tons alaranjados. Originalmente, Estelar tinha um lindíssimo cabelo armado com volume, que foi sendo alisado ao longo do tempo. Não se sabe ao certo se a ideia original dos autores era que a personagem fosse negra, mas a semelhança de estilo com cantoras de sucesso da época como Diana Ross e Donna Summer nos dá a entender que pelo menos houve inspiração. Então fica meio tendencioso o argumento de que estão mudando a concepção original, que já foi utilizada dezenas de vezes, em casos como a revelação que o Homem de Gelo dos X-Men é gay e da personagem Dominó no filme Deadpool 2. Mas um caso que me vem a mente é a da recente revelação de que a próxima regeneração em Doctor Who seria a da personagem principal em uma mulher.

      Durante toda a fase de Peter Capaldi na série, foram estabelecidos os conceitos de que a regeneração não tem controle sobre o gênero.Um Time Lord pode se regenerar em uma Time Lady, pois a mudança é randômica. Foi assim que o Master se tornou a Missy, e também foi assim que a 13° face do Doctor será vivida pela atriz Jodie Whitaker. Na época do anúncio muitos fãs se diziam traídos, afinal uma série que por mais de 50 anos teve seu personagem principal como homem não deveria mudar para uma mulher por causa do “politicamente correto”. Mais uma vez a desinformação prevaleceu e muitos desses fãs declararam que não mais assistiriam a série. Que é bem semelhante ao que está acontecendo com Titãs. Esses ditos fãs se escondem atrás de uma suposta fidelidade ao original porque vivem presos a uma falsa impressão de que a tradição é inviolável, e preferem a cegueira cômoda dos seus preconceitos a investigar a história e os contextos.

      Diante de tudo isso aqui apresentado, não é difícil de entender que as pessoas estão com bastante má vontade com as imagens dos Jovens Titãs, mas não dá pra entender o porque apenas uma personagem é a mais criticada. E justamente a interpretada por uma atriz negra. Aliás, dá para entender sim, basta você ir a qualquer página ou grupo de quadrinhos e ler os comentários. Os mais violentos e preconceituosos estão ali… e se você abrir o perfil deles, vai ver que a maioria se identifica como “gente de bem”. É uma hipocrisia sem fim. É uma hipocrisia que machuca muito as pessoas.

      O objetivo desse texto não é dizer que o visual dos atores está incrível. Por que não estão. Tirando o Robin (que parece ter saído de um filme de High School americano), todos tem defeitos. Mas as críticas recaem apenas sobre uma parte desse todo. E justamente a atriz negra. Se escondendo atrás de frases como “é só minha opinião”, “eu não sou racista, mas…” ou “o mundo tá chato demais”, muitos desses que passam o dia em comentários de redes sociais disseminam mensagens de ódio e preconceito baseadas apenas e tão somente nos seus princípios falhos, retrógrados e tóxicos. A crítica deve existir sempre, mas baseada em argumentos sólidos e técnicos e não por achismos e preconceitos internalizados. Você tem total liberdade para gostar ou não de algo, mas já parou para pensar o porque você não gosta?

      Rodolfo Monteirohttps://terraverso.com.br
      Formado em Contabilidade, mas Nerd de coração e alma. Colecionador de gibis desde 1996, amante da DC desde Batman Returns. Sempre buscando conhecer mais sobre a nona arte!

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