Mulher-Maravilha 1984 | Análise sobre uma Era de Maravilhas

    Nada bom nasce de mentiras.

    Gal Gadot e Patty Jenkins impactaram o universo de super-heróis com a estreia do primeiro Mulher-Maravilha, em 2017, mostrando ao mundo o poder e a importância do protagonismo feminino no gênero, causando um efeito dominó que desencadeou toda uma nova leva de produções estreladas e comandadas por mulheres. Em sua sequência, Jenkins decide levar a maior heroína da cultura pop a outro patamar, mostrando a faceta heróica da personagem e homenageando o seu legado. 

    Diferente do primeiro filme, Mulher-Maravilha 1984 coloca Diana Prince em meio a década de 80, um período de transição e de grande impacto na humanidade, marcada pela promessa de felicidade fácil, impulsionada pela ganância e o desejo. A produção usa da estética e do contexto histórico para criar paralelos com a atualidade, em especial com o comportamento individualista gerado pelo capitalismo. 

    O filme tem uma atmosfera solar e carismática, possuindo uma trama simples, mas cativante. Brincando com os clichês para satirizar comportamentos do período, mas tendo um olhar intimista para os seus personagens. Encontrando um meio termo entre grandiosas sequências de ação e o desenvolvimento emocional dos seus protagonistas, explorando o elemento humano para criação de conflitos, e dando assim, peso as suas ações. 

    Para isso, Patty Jenkins e sua produção optaram por abraçar uma estética campy e exagerada, fazendo uma verdadeira viagem nostálgica, com direito até mesmo a pochetes. A trilha sonora – composta pelo mestre Hans Zimmer – também se mostra como parte crucial para a grandiosidade da produção, auxiliando entre as transições de gêneros ao decorrer da trama. 

    A ação também recebe um novo olhar, que difere da aventura anterior de Diana em meio as trincheiras. Jenkins fez questão de construir cenários práticos e usar do condicionamento físico de seus atores e equipes de dublês para, não só se distanciar do uso excessivo de modelos em computação gráfica, como ocorreu no filme de 2017, mas também como forma de demonstrar o impacto dos feitos de seus personagens.  

    Para criação do estilo de luta da Diana Prince, é essencial entender que agora a heroína se tornou uma guerreira pacífica, escolhendo aposentar a sua espada para lutar por um ideal, o da verdade, usando somente o Laço de Héstia. Apresentando uma técnica mais fluida e artística, prezando pela imobilização e defesa, tendo como grande inspiração as apresentações do Cirque Du Soleil. 

    Foram usados objetos cenográficos para demonstrar a força de Diana e Barbara, dublês e atores são arremessados de um lado para o outro, assim como a aplicação de grandes estruturas e cabos nos cenários práticos. Tudo isso para demonstrar que a produção da DC Comics é digna dos grandes blockbusters. 

    Todos esses elementos são usados para auxiliar o telespectador na imersão em meio a aventura, usando como referência clássicos dos anos 80, como Carruagem de Fogo (1981) e Indiana Jones: Os Caçadores da Arca Perdida (1981), e histórias tiradas diretamente dos quadrinhos da Era de Bronze para a formulação de características dos personagens, bem como a série dos anos 70 da Mulher-Maravilha, homenageando o legado da atriz Lynda Carter, a outra (e única) encarnação da personagem em live-action na história. 

    É notável ver o cuidado dos roteiristas com as origens da heroína, que vão desde a incorporação da guerreira amazona Asteria (Lynda Carter) na mitologia do DCEU, como algumas escolhas na adaptação para os cinemas. Um dos grandes exemplos disso é visto na Mulher-Leopardo, que, apesar de possuir o nome e algumas características da Barbara Minerva, na realidade pode ser considerada como uma versão da sua primeira encarnação nos quadrinhos, Priscilla Rich, que apareceu pela primeira vez na edição ‘Mulher-Maravilha #6’, em 1943. Tendo seu arco vilanesco voltado a uma fragilidade de ego e sentimento de inferioridade em relação a Diana. 

    Apesar disso, a produção acaba pecando na representação dos povos da região do Médio Oriente e Norte da África, fazendo uma simplificação cultural e política dos lugares, bem como usando de estereótipos ocidentais para a criação de alguns personagens, como o “Rei do Petróleo” Emir Said Bin Abydos (Amr Waked). 

    Em outra vertente, a produção acerta ao demonstrar o perigo da opressão predatória masculina nos arcos de Diana e, principalmente, no de Barbara Minerva (Kristen Wiig). Trazendo um olhar desanimado para a relações de gênero, mostrando um desejo de cobiça dos homens e diferentes tipos de mecanismos de defesa adotados pelas protagonistas para se tornarem presas em suas armadilhas. Demonstrando uma dinâmica que, infelizmente, acaba por ecoar até os dias atuais. 

    A trama utiliza como norte o gótico conto “A Pata do Macaco” (1902), do autor britânico William Wymark Jacobs, para falar sobre o custo da realização de sonhos pessoais através da utilização da simples dinâmica de causa e consequência. Para cada pedido feito um preço é cobrado, que nem todos estão dispostos a pagar. 

    O roteiro uso da Pedra dos Sonhos, um presente amaldiçoado vindo dos deuses, como MacGuffin, um objeto de cobiça entre os protagonistas, que assumem uma posição passiva a partir do final do primeiro ato do longa, ramificando a trama em três direções paralelas e mostrando uma “espiral de sedução” pelas mentiras concebidas pelo artefato. Essas ramificações acabam utilizando alguns elementos de comédia para explorar de maneira simples as consequências do encantamento da pedra, mas sem nunca perder a sua densidade e urgência.

    Diana Prince (Gal Gadot), diferente do primeiro filme, não é mais um ser inocente em meio ao mundo dos homens, estando mais segura de si e esperançosa quanto a humanidade. Porém, se encontra solitária, se recordando das pessoas que já passaram por sua vida. O seu arco está diretamente ligado ao luto e a personagem é facilmente seduzida pelo seu pedido a tanto tempo reprimido, aproveitando a oportunidade para ter algo que lhe foi roubado: um tempo com o seu amado.

    O filme mantém o peso da morte de Steve Trevor (Chris Pine) e cria um cenário único para esse reencontro, sendo a conexão mais direta que existe com o filme de 2017, e mostrando a simbologia de sua perda na vida de Diana através da incapacidade de voar. 

    Ao final, Diana entende que a morte faz parte da vida, e que não se deve tomar atalhos para obter desejos individuais. Durante a sua despedida, o vôo se torna o último presente de Steve para Diana. Isso se torna o eterno elo de conexão entre os dois. Assim, a personagem faz o seu sacrifício final, voltando os olhos para a humanidade e fechando um ciclo para só então, se tornar uma heroína por completo e digna de vestir a Armadura Dourada. 

    Já Barbara Minerva, se vê envolta pela luxúria, ganhando finalmente a atenção que sempre almejou. Inicialmente vendo Diana como uma espécie de modelo, Barbara vai aos poucos se deixando levar pelos poderes sedutores da pedra. Perdendo gradativamente a sua humanidade e abraçando uma postura predatória. Uma transformação que é refletida em seu visual, que abraça cada vez mais a estética punk, até se tornar uma fera por completo. 

    Por fim, temos Maxwell Lorenzano (Pedro Pascal), que é mostrado como uma sátira ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e fruto da cultura de Wall Street nos anos 1980 e da realidade cruel dos imigrantes que partem para conquistar o “sonho americano”. Sendo guiado pela sua ambição e ganância, Lord possuí um desejo insaciável de poder e, por consequência, aos poucos vai perdendo não só a sua força vital, como também o seu bem mais precioso, a paternidade. 

    Todas essas tramas são apresentadas e desenvolvidas até que se convergem ao final do segundo ato e partem para o grande clímax, onde o plano de Lord entra em ação, usando a mídia como um meio para “tocar” a população e, com isso, realizar os seus desejos, mas por um preço. A sua vitalidade.

    Mas, antes de enfrentar Lord, Diana reencontra a sua velha amiga Barbara, agora completamente entregue a sua natureza selvagem. A cena foca no combate físico, tendo uma fotografia soturna para criar uma atmosfera de tensão, com Minerva usando de seus instintos e furtividade. Por fim, Diana acaba levando a melhor, mas, ao contrário de muitas obras do gênero, a personagem não mata a sua antagonista, deixando-a apenas incapacitada.

    Após a batalha feroz, a heroína se dirige a real ameaça e, não vendo outra forma de agir, ela sorrateiramente prende o Laço de Héstia em Max e expande o seu poder para clamar ao mundo e lhes mostrar a verdade de suas ações, em uma cena tocante, ao som de “Beautiful Lie”, da trilha sonora de Batman Vs Superman (2016), onde a heroína se mostra vulnerável e falha.

    (…) Porque você não foi o único que imaginou um mundo onde tudo fosse diferente. Um mundo onde todos fossem amados, vistos e compreendidos. (…) Mas, a que preço? Está vendo a verdade?

    Neste momento, Diana se eleva ao status de divindade, mostrando a humanidade a mais pura e genuína verdade, fazendo reconhecer o seu egoísmo, causando uma comoção em nível global. Max renuncia ao seu pedido e corre para os braços de seu filho Alistair (Lucian Perez). Barbara tem um final ambíguo, não deixando claro se ela abdicou de todos os seus pedidos, vendo um pôr do sol amargo depois da derrota. 

    A humanidade renúncia de seu egoísmo em prol da coletividade, estabelecendo uma conexão de forma acidental com o contexto pandemico em que o filme foi lançado e fechando um ciclo iniciado no flashback em Themyscira, com Diana ensinando uma lição para todo o mundo sobre a verdade. O filme se encerra durante a época do Natal e mostra Diana em paz, contemplando a humanidade de perto, estando novamente aberta para se reconectar com aqueles que jurou proteger.  

    Mulher-Maravilha 1984 é um filme mais consistente do que seu anterior, falando sobre a natureza do ser humano. Ele expandinde a mitologia da heroína, apresenta conceitos e personagens que permeiam o universo das HQ’s e faz um tributo ao passado, a aproximando dos ideais de William Moulton Marston quando criou a personagem, em 1941. A produção se desvencilha de vez do tom niilista dos primórdios do DCEU, adotando uma visão mais ingênua do super-herói clássico.  

    Marcos Vinícius
    Marcos Vinícius
    Olá! Meu nome é Marcos e tenho um grande amor pelo jornalismo. Possuo um podcast, o Sabor de Ambrosia, e sou um grande fã da DC desde que me entendo por gente. Escrevo de tudo um pouco e, espero que gostem do que tenho pra falar.

    Deixe seu comentário

    Você pode gostar

    Siga-nos

    24,169FãsCurtir
    15,600SeguidoresSeguir
    18,192SeguidoresSeguir

    Últimas Postagens