Estreou ontem, 20.10, a série Watchmen na HBO. Criação de Damon Lindelof (The Leftovers) e um elenco de peso que conta com nomes como Regina King, Jeremy Irons, Don Johnson, Tim Blake Nelson, Louis Gossett Jr., Yahya Abdul-Mateen II, Adelaide Clemens, entre outros.
— Cuidado com SPOILERS! —
A série mantém um justo respeito ao legado construído por Alan Moore nos quadrinhos. A proposta e a abordagem é 100% política. Se antes Moore apresentava as tensões provenientes da Guerra Fria, Lindelof contextualiza a guerra social que aborda a supremacia racial. A apropriação de símbolos da série Watchmen também chamam a atenção em paralelo a abordagem que o episódio se propõe a apresentar.
A ambientação da série é a cidade de Tusla e ela inicia justamente mostrando o Massacre Racial de Tulsa, ocorrido em 1921. Lá, membros da Klu Klux Klan saíram as ruas para matar negros e incendiar estabelecimentos, espalhando o caos e o medo por toda a cidade. O mais impressionante disso é que após a exibição do episódio de estreia, a série foi atacada por algumas pessoas nos comentários da plataforma de críticas Rotten Tomatoes, informando que ela propagava uma “agenda esquerdista” e “questões políticas demasiadas”.
Já havia comentado aqui, em outro artigo do Terraverso, envolvendo o filme do Coringa, que quadrinhos são completamente ligados a política e história. Com Watchmen obviamente não é diferente.
Interessante é perceber neste episódio piloto a proposta que ele nos passa sobre cores e símbolos. A cor amarela, que também é um signo predominante na marca da edição de Watchmen, é também a identificação de um personagem clássico; O Comediante. Nas HQ’s, o Comediante era um homem mau-caráter e agia por impulso em diversas vezes, a ponto de estuprar mulheres e engravida-las nas guerras em que ele estava lutando pelos EUA. Porém, seu caráter duvidoso jamais foi alvo do governo americano. Para o estado, o Comediante era um combatente de guerra, um herói da nação, alguém que sempre esteve ao lado da justiça. Quando acontece a sua morte, ele é enterrado com honras militares. Os policiais de Tesla protegem seus rostos envolto a um pano amarelado, da mesma tonalidade do boton do Comediante, sendo essa uma pura simbologia de patriotismo e dedicação aos EUA.
Já no outro lado, há um grupo de supremacistas brancos que orquestram ataques pontuais contra a cidade de Tesla. Uma Klu Klux Klan que ao invés de utilizar o clássico chapéu pontiagudo, assume a máscara do Rorschach como sua identidade. Rorschach sempre esteve a beira da sociedade. Não mantinha boas relações com o governo dos EUA. Contrariava a regra de que vigilantes mascarados de forma alguma deveriam agir de forma autônoma, sem a autorização do estado e em paralelo as autoridades.
Essas identificações de símbolos e a apropriação pelos espectros do bem e o do mal na série, indicam o ritmo e a proposta que Watchmen deverá abordar ao longo da temporada. Antes dos policiais usarem uma identidade secreta, há 3 anos atrás, eles sofreram um ataque da Sétima Kavalaria (o nome dado a essa equipe de supremacistas brancos mascarados de Rorscharch). As mortes não envolveram apenas os policias, mas também suas famílias, atacadas em suas residências.
A ambientação dos EUA é sob o comando do governo de Robert Redford, um ator de Hollywood que chegou ao topo da liderança da maior potência do mundo. Uma gestão mais alinhada com contextos sociais e que sofrem também ataques da Sétima Kavalaria, com diversas pichações na cidade contra a gestão governamental de Redford. A bandeira dos EUA foi alterada. A vitória no Vietnã fez com que a região fosse anexada como um novo estado pertencente ao território americano.
A diretora do episódio piloto, Nicole Kassell, havia declarado que teve uma clara inspiração sobre a ambientação social de Cuba e o modo de vida asiático em sua cultura, onde lá as coisas são reutilizadas até que não possam ser mais usadas. É por isso que os copos são de papel, a tecnologia usa bipis e não smartphones e os carros são elétricos.
A premiere de estreia apresenta muitas referências ao Minutemen, como um trailer de uma série chamada “American Hero Story” que apresenta detalhes sobre a clássica equipe dos anos 40. Um jornal mostra a manchete “Adrian Veidt é oficialmente declarado morto”. Adrian é Ozymandias e alguns insiders indicam que ele será interpretado pelo ator Jeremy Irons, mas a informação não foi confirmada oficialmente por nenhum produtor. O personagem de Irons possui uma vida solitária dentro de um castelo e com dois empregados bastante esquisitos.
Nesse mundo, ao invés da chuva comum, há chuva de lulas, uma referência a algo semelhante a tragédia do 11 de setembro. Nas HQ’s, Ozymandias forjou uma invasão alienígena em Nova York, motivado por encontrar a paz mundial. Ele criou uma lula gigante interdimensional geneticamente modificada, para atacar a ilha de Manhattan. O acontecimento matou 3 milhões de pessoas e parece que os efeitos dessa tragédia refletem nos dias atuais da série Watchmen.
O piloto apresenta com maestria qual será os caminhos percorridos pela temporada ao longo dos 9 episódios. As questões políticas e sociais abordadas são um reflexo dos Estados Unidos de hoje, uma grande ascensão de grupos radicais, extremistas e supremacistas raciais estão emergindo das sombras com um discurso que ofende, agride e diminui lutas sociais.
Ao final do episódio, há uma morte que surpreende e uma clássica referência a obra original de Alan Moore, e ao bóton ensanguentado do Comediante.
Para um primeiro episódio, Watchmen surpreende pela abordagem e pelo respeito a tudo que a edição clássica já apresentou, inovando no sentido de colocar elementos e signos dentro de uma narrativa aplicada a contemporaneidade do presente. O discurso político atual sobre problemas reais do nosso cotidiano é uma justa homenagem a essência que a obra construiu e marcou gerações ao longo do tempo.
Nota: