Batman (do original The Batman), de 2022, marca a estreia da nova visão do Cavaleiro das Trevas, idealizada por Matt Reeves. O filme passou por muitas fases, desde ser inicialmente considerado uma produção do Batman do universo compartilhado de Zack Snyder, até virar um projeto bem pessoal de Reeves, inclusive sendo o início de um novo universo cinematográfico.
E ao falarmos do filme, não podemos deixar de citar Reeves. Esse projeto é (ainda bem) um produto muito da mente do diretor/produtor/roteirista e pouco do estúdio. A Warner Bros. parece ter aprendido a amarga lição após a revolta dos fãs com a Liga de Zack Snyder, e tem dado bastante espaço para os diretores fazerem seus filmes, como vimos em Coringa (2019) e O Esquadrão Suicida (2021), por exemplo.
‘Batman’ se passa no segundo ano de atuação do vigilante, e mostra um Bruce Wayne (interpretado por Robert Pattinson) com uma carga dramática ainda inédita nos cinemas. Além de ser visivelmente perturbado – e até doente em sua busca por vingança contra a criminalidade – Bruce ainda tem sua vida virada de ponta cabeça pelo Charada (interpretado por Paul Dano), figura que tem assassinado homens poderosos da cidade e enviado mensagens ao Homem Morcego, que podem ter relação com o seu passado e de sua família.
O roteiro e seus personagens
O roteiro, assinado pelo próprio Reeves e por Peter Craig, consegue nos apresentar muito bem todos os personagens da trama, e acerta ao não trazer novamente a origem do herói, que ainda está fresca na mente do público (principalmente por conta de Batman Begins). Bruce e sua reclusão trazem uma sensação de desolamento que é inédita nas encarnações do personagens no cinema, mas que encaixa perfeitamente com o mesmo. Ele está em início de carreira, sua Batcaverna é suja e relativamente precária, mas ele já conta com alguns equipamentos avançados. A Mulher Gato de Zoë Kravitz está perfeita tanto em seu visual quanto em sua personalidade, e, para quem se importa com a fidelidade do material fonte, a encarnação dela é muito provavelmente a mais fiel aos quadrinhos de todas as adaptações.
Paul Dano, apesar de encaixar perfeitamente com o papel de psicopata a que foi designado (Edward Nashton, o Charada), não tem todo seu potencial explorado pelo roteiro, com exceção de um diálogo mais longo no terceiro ato. Apesar disso, a caracterização dele como um psicopata é cruel, pesada e muito acertada. O Pinguim de Colin Ferrell é excelente, está engraçado e ameaçador no mesmo nível, ainda contando com o trabalho de maquiagem impecável que o transformou em um mafioso italiano perfeito. Outros destaques na atuação vão para Jeffrey Wright como Comissário Gordon e John Turturro como Carmine Falcone.
O Alfred de Andy Serkis é pouco explorado, apesar de estar presente em partes importantes da trama (seu passado no MI6 é usado em alguns pontos da trama, mas com certeza será mais explorado futuramente). O filme trás uma história verdadeiramente detetivesca, bem diferente dos filmes anteriores do Batman, onde só tivemos pequenos momentos de investigação minuciosa. Aqui, somos apresentados aos equipamentos de Bruce, bem como aos seus métodos de investigação. O roteiro do filme se dedica quase que inteiramente à parte detetivesca, propondo uma atmosfera como de um longo jogo de gato e rato entre Batman e Charada, quase como um Sherlock vs Moriarty. Esse ritmo mais cadenciado pode por algumas vezes parecer maçante no meio do longa. Os toques de política no filme são poucos, porém bem importantes para o andar da trama e para os planos do Charada.
Direção
A direção de Matt Reeves trás um ar soturno para o filme, que junto à algumas cenas de narração em off dão um toque noir para o mesmo. Mesmo sem contar com nenhum elemento sobrenatural, a estética de sua Gotham se difere da trilogia Cavaleiro das Trevas, com elementos góticos bem presentes na cidade. As cores do filme são mais escuras e as estruturas da cidade e das construções trazem a arquitetura gótica que dão um ar quase surreal. Vale citar que a utilização das músicas “Ave Maria” e “Something in the Way”, junto à trilha sonora original, trazem muito impacto dramático às cenas.
Como pontos negativos, fica o já citado subaproveitamento da atuação de Paul Dano (apesar do roteiro caprichar em seus planos e em sua caracterização bizarra à lá Zodíaco), além de algumas vezes recorrerem à algum personagem “professor roteiro” para explicar expositivamente partes da trama, plot twists e motivações. O terceiro ato pode parecer também grandioso demais se comparado ao confronto mais íntimo que foi construído ao longo da trama, apesar dessa grandiosidade ter sido muito bem representada em tela.
Falando em plot twists, existem alguns dentro do filme que podem gerar algum estranhamento por parte dos fãs da mitologia do Morcego, mas que não são tão significativos no final das contas. Inclusive existem momentos em que parece que o filme tomará uma decisão que mudará totalmente o status quo de alguns personagens, mas que depois o próprio roteiro acaba apaziguando.
Conclusão
Voltando aos pontos positivos e concluindo: É um filme visualmente muito bonito, com personagens cativantes, uma trama investigativa instigante em sua maior parte, e com uma direção que consegue se diferenciar bem das outras versões do Batman. Um ótimo ponto que o diferencia dos outros, é quanto à discussão de moralidade na atuação do Batman, que caminha entre a linha de vingança e justiça. Além disso, o filme tem ótimos influências, como dos filmes de David Fincher (principalmente Seven e Zodíaco), bem como algumas HQs, entre elas: Ano Zero, Terra Um, Ego, O Longo dia das Bruxas e Vitória Sombria. Esses dois últimos tem muita influência em Carmine Falcone e em toda a máfia, que são parte importantíssima do filme. Vale mencionar também o filme Coringa, de 2019, que tem alguns pontos parecidos tanto em roteiro quanto em estética. Porém, diferente deste último, The Batman parece querer sim construir sequências desde agora – o que é reforçado no final do longa.
Nota 4/5.