Super Amigos | Do cult ao cômico: A história e a relevância da série animada

    Procedentes dos pontos mais distantes do universo, encontram-se no grande Hall da Justiça as forças mais poderosas jamais reunidas: O Super-Homem, Batman e Robin, Mulher-Maravilha, Aquaman, os Super Gêmeos Zan e Jayna e o fiel macaco Gleek! Juntos eles lutam pela justiça e paz para a humanidade!

    Esse foi o mais célebre texto de apresentação de uma animação, que teve várias encarnações, e que ajudou a consolidar a popularidade dos heróis da DC Comics nos anos 70, 80 e além, cravando uma bandeira definitiva no âmago da cultura pop.

    A Liga da Justiça da Filmation.

    Super Amigos foi uma série de animação exibida nas manhãs de sábado na rede americana ABC, entre 1973 e 1985. Os personagens da editora já tiveram séries animadas anteriores, como a do Superman dos irmãos Fleischer nos anos 40 e as do estúdio Filmation, no final dos anos 60, que contemplava Superman, Aquaman, Flash, Átomo, Lanterna Verde, Gavião Negro, a Liga da Justiça e uma específica para Batman e Robin.

    Em 1969, o estúdio Hanna Barbera lançou Scooby-Doo, Where Are You que acabou sendo um enorme sucesso com um grupo de jovens e um cão falante desvendando mistérios. Em 1972, o desenho ganhou o título de The New Scooby-Doo Movies e em cada episódio haviam convidados especiais (da Família Addams aos Harlem Globetrotters). Uma dessas participações pode ter começado a pavimentar o caminho do que viria ser Super Amigos: Batman e Robin, levando Coringa e o Pinguim como “vilões especialmente convidados”.

    Em 1973, Super Friends estreava na rede ABC. Era uma adaptação mais família da Liga da Justiça, tinha personagens que já haviam tido animações populares antes, como Superman, Aquaman, Batman e Robin, com a adição da Mulher-Maravilha. Mas a grande mudança da série foi tirar o foco das HQ’s e seguir uma linha mais Scooby-Doo, tanto que foram incluídos à equipe os sidekicks; Wendy Harris, Marvin White e Wonder Dog. Os inimigos normalmente eram alienígenas ou cientistas querendo dominar o mundo. A série não teve vida longa – apenas 16 episódios – e teve aparições do Arqueiro Verde, do Flash e do Homem-Borracha.

    Uma das últimas grandes estações de trem americanas, a Union Terminal, um ícone de Cincinnati e do estilo art déco, foi a inspiração para a arquitetura da Sala da Justiça, a base de operações dos heróis. Hoje o prédio, restaurado em 2018, abriga um complexo de museus. O escritor Brad Meltzer, em seu arco no título Liga da Justiça de 2006, usou a Sala da Justiça com o visual clássico, com algumas atualizações: sendo um projeto do arquiteto e Lanterna Verde, John Stewart.

    Cincinnati Union Terminal.

    A Sala da Justiça.

    A Sala da Justiça na arte de Ed Benes.

    Em 2017, o prédio foi utilizado como instalação dos Laboratórios S.T.A.R. no crossover “Invasão!”, com as séries ArrowThe FlashSupergirl e Legends of Tomorrow do canal The CW. Também foi utilizado no final de outro evento das séries do Arrowverso: Crise nas Infinitas Terras. Dessa vez, como a futura base de operações da recém-formada Liga da Justiça.

    Apesar de não ter sucesso inicial, um dos méritos da série animada “Super Amigos”, era o design dos personagens desenvolvido por Alex Toth, que já trabalhava com a linha heroica da Hanna Barbera, criando personagens como Space Ghost, Homem-Pássaro, Galaxy Trio, Thundarr o Barbaro, Capitão Caverna entre outros, além de desenvolver o visual de inúmeras animações do estúdio. O artista ao longo dos anos desenhou para várias editoras, inclusive a DC Comics, desenhando o Batman, Lanterna Verde, Canário Negro e Flash.

    Design dos personagens por Alex Toth.

    Pegando carona no sucesso das séries live action do Shazam, Poderosa Ísis e da Mulher-Maravilha, em 1977 o desenho teve uma nova versão chamada All New Superfriends Hour sem Wendy e Marvin, substituídos pelos alienígenas do planeta Exxor, chamados Super Gêmeos: Zan, Jayna e o macaco Gleek. A diferença principal é que ao contrário dos sideckicks anteriores, os Exxorianos tinham poderes: Zan se transformava em líquido ou qualquer objeto feito de gelo, enquanto Jayna podia assumir a forma de qualquer animal.

    O tom das aventuras mudou, trazendo mais ação e com as famosas lições de moral dos desenhos dos anos 70. Uma curiosidade que não era exibida na versão da Rede Globo (emissora que transmitiu todas as séries do Super Amigos no Brasil), eram dicas de segurança, de artesanato, charadas e truques de mágica entre os segmentos do desenho. Isso foi exibido muitos anos depois da transmissão original, quando o desenho esteve no canal Tooncast, nos anos 2000.

    Para a temporada 78/79, a série ganhou um segundo seguimento, que talvez seja o mais popular, bem sucedido e cultuado até os dias de hoje: The Challenge Of Super Friends. Consistia nos heróis das duas primeiras séries, sem os Super Gêmeos, com a adição do Flash, Lanterna Verde, Gavião Negro (Homem-Águia na versão brasileira) lutando contra a Legião do Mal, formada por Lex Luthor, Brainiac, Giganta, Arraia Negra, Sinestro, Capitão Frio, Gorila Grodd, Homem-Brinquedo, Charada, Mulher-Leopardo, Bizarro, Espantalho e Solomon Grundy.

    O antagonismo não era só nos arqui-inimigos, mas também na base dos vilões. Enquanto a Sala da Justiça tinha tons claros e um cenário com céu azul e ensolarado, o quartel general da Legião se situava em um pântano soturno e tinha um formato de elmo robótico que remetia ao personagem Darth Vader, de Star Wars. No original -em inglês- Hall Of Justice para os heróis, e Hall Of Doom para os vilões.

    Hall of Doom.

    Nessa versão da animação, foram criados heróis especificamente para o desenho, buscando maior representatividade étnica, com um negro, um oriental e um indígena, respectivamente Vulcão Negro (criado devido à uma disputa judicial na época entre o criador do Raio Negro e a DC) com poderes elétricos, Samurai, que se transformava em elementos como vento e fogo e o Chefe Apache, que ao proferir as palavras Eh-neeek-chock, ficava gigante.

    Samurai

    Vulcão Negro

    Chefe Apache

    Em seguida o desenho mudou para The World’s Greatest Super Friends (com os Super Gêmeos de volta). Em 1980 e 1981 o show voltou a ter o nome simplesmente de “Super Friends” e nele foi introduzido um outro herói criado pela Hanna Barbera, El Dorado, que era hispânico e possuía a habilidade de se tele transportar e criar ilusões. Essa temporada unia episódios novos com seguimentos utilizados em temporadas anteriores. Vale salientar que todas as tentativas de diversidade étnica em Super Amigos, eram estereotipadas e superficiais, consideradas ofensivas nos dias de hoje.

    A série teve a sua primeira linha de quadrinhos publicada entre 1976 e finalizando justamente no ano de 1981, incluindo 47 edições regulares e 2 especiais. A revista adaptava as aventuras do desenho, que se localizavam fora da cronologia pré-crise da DC Comics e não é considerada parte do cânone dos personagens.

    Nesse período, a equipe também contava com o Átomo, Mulher-Gavião (Mulher Águia na versão do Brasil) e Rima, a garota da selva. Essa personagem estreou no romance vitoriano, Green Mansions: A Romance of the Tropical Forest, de W.H. Hudson, sobre uma garota que fazia parte de uma tribo perdida dentro das selvas da América do Sul. A DC Comics decidiu fazer uma série de quadrinhos baseada em Rima e a lançou em 1974. Ela apareceu em 3 episódios, podia se comunicar com os animais da selva, era uma grande lutadora e uma ótima rastreadora. Sua introdução na produção foi mais uma tentativa do estúdio de animação em ter mais diversidade na equipe, dessa fez focando no público feminino.

    Rima, a garota da selva.

    Em 1982 e 1983, a série teve outra encarnação com o nome The Best of Super Friends. Em 1984, outra mudança de nome e foco. Agora o título era Super Friends: The Legendary Super Powers. Nessa versão, o principal vilão era o Darkseid (uma das maiores contribuições de Jack Kirby em seu período na DC) e introduziu o personagem Nuclear na equipe. Brainiac também aparece na série com seu visual atualizado, seguindo as HQ’s. Sai o humanoide e entra o corpo com estilo mais robótico, simular à um esqueleto, inclusive com a famosa “nave caveira”.

    A Kenner lançou uma linha de brinquedos baseada nessa fase da série e se chamava justamente Super Powers Collections. Figuras de ação e veículos bem fieis ao design da animação, que fizeram grande sucesso e foram licenciados no Brasil pela Estrela.

    A coleção Super Powers.

    Os executivos da ABC não entendiam nada de quadrinhos, e isso se mostra em duas situações curiosas que ocorreram nos bastidores. Quando Darkseid seria apresentado na série, a rede de TV queria mudar o nome do personagem, pois tinham receio de ofender telespectadores alemães ou de origem alemã.

    O personagem além da obsessão pela dominação da Terra e destruição dos Super Amigos, também queria ter a Mulher-Maravilha como sua esposa em Apokolips (fato totalmente inexistente nas HQ’s). É de conhecimento que o visual do Nuclear tem labaredas saindo de sua cabeça, porém, o personagem teve que ser redesenhado tantas vezes, que o visual ficou parecendo o da tocha da Estátua da Liberdade. Os executivos temiam por crianças atearam fogo em seus próprios cabelos para se parecerem com o personagem. Uma outra curiosidade é que, no original, Adam West, o Batman da série de TV de 1966, dublava o Homem-Morcego nessa versão da série.

    Designs de Nuclear.

    Uma segunda série de quadrinhos, derivada da animação, foi lançada com o nome de Super Powers. Foram 3 minisséries com alguns atrativos aos colecionadores de HQ’s. O volume 1 foi lançado em 1984, com roteiro de Joey Cavalieri e arte de Adrian Gonzales nas quatro primeiras edições. O argumento, as capas e a arte da quinta edição, ficaram a cargo simplesmente do gênio da nona arte, Jack Kirby.

    Como criador do Quarto Mundo, Kirby estava totalmente familiarizado a personagens como Darkseid, por exemplo. O volume 2, de 1985, tinha seis edições e foi escrito por Paul Kupperberg (da 1ª versão de Checkmate) com arte de Kirby, que dividiu as capas com Greg Theakston. Kupperberg também escreveu o volume 3, lançado em 1986, dessa vez com outra lenda cuidando da arte, o grande Carmine Infantino, um dos principais artistas da Era de Prata da DC Comics.

    Em 1985, a animação passa por mais mudanças. O nome agora é The Super Powers Team: Galatic Guardians e o design dos personagens passa a ser baseado no de José Luis García-López, que além de ilustrar HQ’s da DC, é responsável pelo guia de estilo da editora e por inúmeras peças de merchandising.

    Agora, a Sala da Justiça ganha contornos mais contemporâneos. Darkseid ainda é o vilão principal, mas outros vilões clássicos também são ameaças nessa temporada, como a Gangue Royal Flush e Felix Fausto. Cyborg, originalmente membro dos Novos Titãs nos quadrinhos, passa a ser um dos membros da equipe. Alguns temas mais sérios do cânone dos personagens são abordados, como a morte dos pais de Bruce Wayne em um episódio em que o Espantalho é o vilão. No final da temporada, a Liga tem que lidar com a morte do Superman por envenenamento com Kryptonita (se você não conhece essa história, procure por Superman #149 de 1961).

    O novo design da Sala de Justiça.

    O desenho foi cancelado em setembro de 1986, contabilizando 109 episódios em 9 temporadas, mas mesmo com seu tom mais ingênuo e que, seria tratado como datado nos dias de hoje, teve efeitos definitivos no universo cult, em animações, séries, HQ’s e em muitos fãs. Muitas crianças (como eu por exemplo), cresceram acompanhando Super Amigos e assim consolidando o carinho pelos personagens da DC Comics.

    O perfil de alguns personagens na série, viria a ser abordado com viés cômico e até mesmo estigmatizando um dos personagens mais importantes da editora: o Aquaman. A simplificação do seu papel é vista como um herói que só atua debaixo d’água e cuja “principal virtude” foi bastante explorada. Em 2003, o Cartoon Network exibiu The Aquaman & Friends Hour, uma série de 7 episódios que parodiava o herói em suas aparições em Super Amigos.

    Ele agora era apresentador de um programa de TV infantil e, os produtores da série não foram autorizados a utilizar outros heróis porque o desenho Liga da Justiça estava em exibição na época, e também porque o personagem tinha uma imagem desacreditada justamente devido ao seu papel em Super Amigos. Ainda no Cartoon Network, Aquaman participou de uma série de comerciais do canal e também do Adult Swim, com Aquaman Dance Party.

    Muitas crianças brincaram de encostar na mão do amigo, amiga, irmão ou irmã e gritar “Super Gêmeos Ativar”, cada um escolhendo em que se transformaria. Os gêmeos tiveram uma breve aparição nos quadrinhos regulares da DC nos anos 90. Apesar de populares, com o tempo as escolhas dos heróis em suas transformações em momentos de perigo, e até mesmo os poderes em si, foram motivo de piada.

    A dupla ganhou uma série de 5 curtas também no canal Adult Swim, em 2007. Os episódios satirizavam os heróis e obviamente o uso dos seus poderes ao tentarem “salvar o dia”, sempre tinham consequências tragicômicas, tendo até a participação do ex-sidekick, Marvin, em um dos episódios. A série tem alguns episódios disponíveis no YouTube, assim como os do Aquaman. Recentemente, os Super Gêmeos apareceram em um episódio da série animada Jovens Titãs em Ação.

    Capa de Wonder Twins #1 de 2019.

    Cena de episódio da série de curtas do Adult Swim.

    A importância de Super Amigos se estendeu até uma das obras mais cultuadas da história dos quadrinhos: Kingdom Come (Reino do Amanhã). A Sala da Justiça serviu como base para o prédio da ONU, e a base da Legião foi o modelo para um presídio para seres super poderosos. Há também a aparição de Marvin, mais velho e bêbado, num bar do submundo. Ainda sobre Marvin e Wendy, eles foram introduzidos nas histórias dos Novos Titãs em 2006, como irmãos gêmeos e protegidos da Barbara Gordon. Depois foi revelado que eram filhos do vilão Calculador.

    Marvin em Reino do Amanhã.

    A prisão baseada no Hall of Doom.

    O prédio da ONU em ‘Reino do Amanhã’.

    A série teve influência em várias das animações que a DC Comics e a Warner Bros. vieram a lançar a partir dos anos 90, destacando-se Justiça Jovem, Jovens Titãs, Jovens Titãs em Ação, Batman: Os Bravos e Destemidos, o infantil DC Super Friends e claro, Liga da Justiça.

    E é desta última série que podemos destacar duas homenagens a Super Amigos. Na parte 3 do episódio #1 da 1ª temporada, Secret Origins, ao formalizarem a união da Liga, Flash pergunta se eles se chamariam “Super Amigos”. Já na fase Liga da Justiça Sem Limites, no episódio Ultimatum, eles enfrentam uma equipe patrocinada por Maxwel Lord chamada Ultimen, com um detalhe: seus membros são versões atualizadas de Samurai, Vulcão Negro, Chefe Apache e dos Super Gêmeos.

    Os Ultimen em Liga da Justiça Sem Limites.

    Uma outra animação conseguiu trazer para os dias atuais a essência de Challenge of Super Friends, foi “As Aventuras da Liga da Justiça – Armadilha do Tempo”, lançada em 2014, onde os heróis enfrentam a Legião do Mal, com um plano para voltar no tempo e retirar o Superman da existência. Ou exemplo seria Justice League Action, de 2016, que resgata em vários episódios os heróis trabalhando em dupla contra alguma ameaça, algo muito comum em várias temporadas de Super Amigos nos anos 80.No âmbito dos colecionáveis, os Super Amigos tiveram coleções da Mego, da DC Direct, da linha DC Universe Classics da Mattel (a mais completa de todas, com vários vilões e com todos os heróis criados pela Hanna Barbera) e a linha DC Super Friends, do mesmo fabricante. A coleção da Mego, com bonecos com roupas de tecido que podiam ser retiradas, foram utilizados nos curtas da série Robot Chicken, do Adult Swim, estrelados pelos heróis da DC.

    DC Universe Classics da Mattel.

    A linha Mego usada em Robot Chicken.

    Por último, mas não menos importante, o inesquecível tema de abertura do desenho foi composto pelo principal diretor musical dos estúdios Hanna Barbera por quase 30 anos, Hoyt S.Curtin. Eu desafio quem passar os olhos por essa matéria, a não cantarolar , nem que seja mentalmente, a indefectível melodia em algum momento.

    Vinicius Chaves
    Vinicius Chaves
    Carioca, de 1976, Publicitário não praticante e aficionado por quadrinhos (dos bons), música (boa), cinema (de qualidade) e cultura pop em geral. Superman é o meu preferido desde a infância. Agora faço parte da equipe que do Terraverso, para aprender mais e compartilhar o meu carinho pela DC. “Enquanto isso na Sala de Justiça...”.

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