Zack Snyder | Uma história em cinco atos: ascensão, queda e ressurgimento na DC Filmes [Parte 1 de 2]

    Zack Snyder é um personagem complexo, um cineasta de assinatura forte e característica, que divide opiniões. Zack é também um personagem polarizador; nada que se refere a ele é, em geral, tratado com parcimônia. É oito, ou oitenta. Amor ou ódio. Não há meio termo, do jeito que a internet gosta.

    Quem estuda a criação de narrativas e roteiros, em especial no cinema e teatro, está acostumado a subdividir uma trama em três atos. A origem dessa subdivisão é antiga, surge com Aristóteles na Grécia antiga, quando o filósofo se propõe a estudar a estrutura das apresentações realizadas nos anfiteatros, identificando pontos em comum. Dessa forma, no livro “A Poética”, Aristóteles subdivide as tramas em prólogo, episódio e êxodo. Mais modernamente, chamamos esses três atos de apresentação, desenvolvimento e resolução. Entretanto, como tudo que envolve Zack Snyder, a história de sua relação com a Warner e seu envolvimento com os super-heróis da DC não cabe em um formato convencional. Por isso, separo as duas partes desse texto em cinco atos.

    Prólogo: “300” e um fenômeno no holofote.

    No longínquo ano de 2006 estreava o filme “300”, uma adaptação cinematográfica dos quadrinhos ilustrado por Frank Miller, que conta a história de Leonidas de Sparta e a heroica batalha de Thermopylae. O filme foi dirigido por Zack Snyder, que acabara de entregar o lucrativo Madrugada dos Mortos para a Universal.

    Em “300”, se iniciava a longa relação de Zack Snyder com a Warner Bros. O filme carrega tudo aquilo que se tornou famoso na assinatura do diretor: as câmeras lentas, os enquadramentos que colocam os personagens em perspectivas divinas, o despudor com que a violência é retratada, entre outros.

    Zack Snyder no set de “300”.

    O sucesso foi incontestável. Com um orçamento de apenas US$65 milhões, Zack Snyder entregou à Warner uma bilheteria de US$456 milhões. Sete vezes mais, uma verdadeira galinha de ovos de ouro.

    Nos sete anos que separam o lançamento de “300” e “O Homem de Aço”, o ponto de partida do universo compartilhado da DC, Zack Snyder dirigiu outros três filmes: Watchmen, A Lenda dos Guardiões e Sucker Punch. Todos para a Warner.

    Primeiro ato: “O Homem de Aço” e o primeiro contratempo.

    O ano era 2013. Desde 2008 a Warner via sua concorrência ganhar vários milhões de dólares todos os anos ao colocar em marcha um ambicioso projeto de universo compartilhado de super-heróis, com filmes e datas anunciadas a perder de vista, mesmo sem contar com os direitos cinematográficos de muitos de seus principais personagens.

    A Warner, que detém os direitos de adaptação dos maiores heróis dos quadrinhos, estava ficando para trás. Então, se preparava para lançar o filme que viria a se tornar o pontapé inicial de seu próprio universo unificado: O Homem de Aço. O homem escolhido para levar a cabo a ideia? Zack Snyder.

    Zack Snyder no set de “O Homem de Aço”.

    Era uma escolha óbvia. Zack possuía já longa e boa relação com o estúdio, não havia muito tempo que o diretor tinha entregue Watchmen, adaptando a obra dos super-heróis distópicos de Alan Moore com boa recepção dos fãs da obra original, apesar de algumas liberdades criativas que foram tomadas. Ávido leitor de quadrinhos e fã dos heróis da DC Comics, Zack Snyder foi visto como uma escolha certeira não apenas para dirigir o filme, mas para arquitetar todo o início de um universo que se seguiria.

    O resultado final, entretanto, dividiu opiniões de fãs e da crítica “especializada”. O resultado financeiro também não foi de encher os olhos, entregando uma bilheteria de US$668 milhões frente a um orçamento de US$225 milhões, uma margem de cerca três vezes maior. Lucrativo? Sim, mas os executivos sempre esperam mais quando se coloca em tela um dos maiores ícones da cultura pop, há tanto tempo afastado das telonas. Além de tudo, a comparação com o sucesso estrondoso de 300 era simplesmente inevitável.

    As críticas negativas ao filme se devem em grande parte ao tom empregado pelo diretor e o contraste disso com a contraparte de Kal-El nos quadrinhos. O herói que sempre foi visto como o farol de esperança da humanidade, um ícone para nos inspirar, é retratado como um homem claudicante, que tem dúvidas, medos, angústias. O que faz parte da construção narrativa do personagem, evidentemente.

    A ação é muito bem entregue no filme, com boas tomadas e o uso de muitas das ferramentas pelas quais Zack é conhecido. Outro grande alvo de críticas do filme é seu encerramento; o final do confronto entre o Superman e o General Zod é dramático e força  Clark Kent a fazer uma escolha impossível: seu conterrâneo ou uma família ameaçada pela visão de calor do kryptoniano. Kal-El opta pelos segundos, sendo forçado a assassinar o General.

    A questão que se colocava era: um Superman capaz de matar pode se tornar um símbolo de esperança para a humanidade?

    Segundo Ato: “Batman vs. Superman – A Origem da Justiça”, o começo do fim?

    “Quero que você se lembre, Clark. Em todos os anos que virão, nos seus momentos mais íntimos. Quero que se lembre da minha mão em sua garganta. Quero que se lembre do único homem que te derrotou”.

    Foi assim, com uma citação direta a “O Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller, que o ator Harry Lennix (General Swanwick/Caçador de Marte) ajudou o diretor Zack Snyder a anunciar a continuação de Homem de Aço na San Diego Comic Con de 2013, poucos dias após a estreia do filme nos cinemas. 

    Em março de 2016, pela primeira vez o público teria a oportunidade de ver não apenas o encontro cinematográfico entre os titãs, Batman e Superman, mas o confronto entre eles, diretamente inspirado em um dos maiores clássicos dos quadrinhos da DC Comics. E não pararia por aí, o filme também traria a icônica e inesquecível introdução da Mulher-Maravilha nesse universo e contaria com participações breves do Aquaman e Flash, plantando sementes para o futuro Liga da Justiça.

    Zack Snyder no set de Batman vs. Superman.

    O simples anúncio de Batman vs. Superman fez com que a Marvel Studios repensasse o rumo do seu universo compartilhado, conforme declarado pelos diretores/irmãos Joe e Anthony Russo em entrevista ao Business Insider .

    “Quando eles [Warner Bros.] anunciaram Batman vs. Superman, [Kevin Feige] disse ‘vocês têm toda razão’. Nós tínhamos que fazer algo desafiador com o material, ou iríamos perder a audiência.”, disseram.

    Zack Snyder entretanto resolveu trilhar um caminho diferente da concorrência em termos de estrutura. Em vez dos personagens serem apresentados individualmente em seus próprios filmes e, posteriormente, reunidos em um mesmo longa, tudo isso seria feito em apenas um filme, que ainda assim deveria parar em pé em termos narrativos. Isso é plenamente possível de ser executado, desde que se dê tempo de tela aos personagens.

    Como ele próprio admite, Zack Snyder não pode ser acusado de fazer filmes curtos; já a Warner não embarcou muito na ideia. A justificativa é sempre mercadológica: um filme longo é exibido menos vezes no cinema ao longo do dia, logo, tende a ser menos lucrativo.

    A partir daí Zack Snyder, que já sofria pressões internas pelo tom soturno e pessimista que estava empregando ao Universo Compartilhado e já atraia olhares desconfiados da “crítica”, passou a enfrentar outro grande problema para as suas histórias: a tesoura.

    A Warner carrega certa fama de ser um estúdio que dá liberdade criativa aos seus diretores, mas os fãs da DC Comics aprenderam na prática que essa liberdade vai apenas até a página três. Convicta de que um corte menor teria um melhor desempenho na bilheteria, a Warner forçou o lançamento de uma versão teatral de 2h:31min.

    Muitas das críticas negativas que Batman vs Superman sofreu se originam desse fato; vários se referem ao filme como “confuso”, “desconexo” ou “desconjuntado”. Devo ressaltar que me incluo fora dessa lista; penso que o filme é perfeitamente compreensível na motivação dos seus personagens com as 2h:31min que nos entregaram no cinema.

    De qualquer forma, os mais de 30 minutos adicionais de cenas incluídos na versão Ultimate do filme fazem muito bem para a trama, adicionando maior profundidade aos personagens e à construção do conflito entre Bruce Wayne e Clark Kent, fazendo com que vários dos que criticaram a versão lançada nos cinemas acabassem voltando atrás.

    Capa de Batman vs. Superman – Ultimate Edition.

    O pedido de desculpas, entretanto, chegou tarde. A enxurrada de críticas negativas que em certo momento saíram do plano profissional e partiram para ataques pessoais ao diretor, aliada à obsessão criada por “notas” em sites de análise como Rotten Tomatoes, MetacriticCinemaScore, entre outros, certamente prejudicaram o desempenho do filme em termos de bilheteria, finalizando sua exibição em US$873 milhões, frente a um orçamento de US$250 milhões.

    Dizer que Batman vs. Superman deu prejuízos ao estúdio seria brigar com a matemática, mas os executivos esperavam mais. Esperavam a marca do bilhão. Afinal de contas, poucos anos antes a trilogia O Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan rendera à Warner polpudos US$2,46 bilhões, com os dois últimos filmes ultrapassando a marca de US$1 bi. Reunir a Trindade da DC em tela, de forma inédita, e não corresponder com as cifras esperadas foi visto por muitos como um grande fracasso.

    Apesar dos problemas que alguns insistem em enxergar, posso falar com tranquilidade que Batman vs. Superman é um dos meus filmes de super-heróis favoritos. Ademais, nada muda o fato de que esse longa nos brindou com a melhor cena de ação do Batman já filmada, além da icônica frase “você sangra? e da emblemática e inesquecível cena da Martha, que ainda há de render discussões por muito tempo.

    Na Parte 2 desse texto abordo os percalços de Liga da Justiça, o movimento #ReleaseTheSnyderCut até o lançamento da versão do diretor, os legados do Snyderverso e as possibilidades de continuação dessa linha temporal.  -Confira neste link-.

    Álisson Couto
    Álisson Couto
    Engenheiro civil, professor e fissurado pelo universo de super-heróis e da cultura pop. Fã incondicional do Batman e defensor ferrenho do Batfleck. Palpiteiro profissional.

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