Watchmen | A dialética de Deus do Dr. Manhattan

    Alan Moore definitivamente é um dos escritores mais marcantes do mundo dos quadrinhos. Obras como V de Vingança, Para onde foi o Homem de Aço e Piada Mortal são conhecidos por momentos inesquecíveis e revolucionários da história do universo de heróis, e suas criações são influência para futuros roteiristas ao longo das últimas décadas.

    Dentre estes momentos um se torna peculiar por mudar a forma como se pensava o mundo dos heróis: Watchmen. A história lançada entre os anos 86 e 87, e a partir deste mundo onde os heróis são sombrios e com diversas falhas, temos uma guinada na forma de se fazer quadrinhos e se pensar sobre um mundo heroico.

    Neste mundo triste, sem perspectivas otimistas, sombrio e com pessoas de caráter extremamente falho, o leitor vislumbra ao longo de 12 edições o desenrolar sobre o assassinato do membro mais controverso da equipe, o Comediante.

    Durante a leitura da obra testemunhamos versões diferentes dos heróis convencionais dos quadrinhos. Vigilantes implacáveis, que levam a violência ao extremo e entendemos que se eles existissem em um mundo real, seriam exatamente como foram idealizados pela mente de Alan Moore.

    Entre psicopatas, paranoicos, niilistas e egocêntricos existe um deles que chama maior atenção por ser, além do único que de fato tem poderes, uma representação de Deus e, na visão do autor, ele está pouco se importando com o rumo que a humanidade esta indo.

    O personagem ao qual me refiro é Jon Osterman, o Dr. Manhattan que participou dos Watchmen. Ele em sua origem era um homem fraco, egoísta e já neste princípio com um complexo de divindade, apesar de dizer que não se sente um Deus, e por fim quando ele realmente adquire tamanho poder ele simplesmente define as questões humanas como pequenas demais para se dar atenção e vai em direção ao desconhecido, um lugar menos “complicado”.

    Baseado em sua participação na obra original e na história voltada apenas sobre sí chamada “Antes de Watchmen” escrita por Adam Hughes e J. Michael Straczynski, podemos entender essa contradição que existe no Deus deste universo tão sombrio.

    Em Watchmen, Jon Osterman deixa de existir após um acidente em uma máquina de energia nuclear sendo dizimado ao nível subatômico, e desta mesma energia renasce como um ser completamente diferente ao ponto de sequer o próprio herói entender o quão longe poderá ir. Para um homem da ciência é importante testar os seus limites. Neste processo, ele que já não se pode pensar como um ser humano muito virtuoso, se separa da pouca humanidade que existe dentro de sí e passa a testar o seu próprio ser. Um exemplo disso é sua interferência a favor do governo. Ele não se importa com questões políticas, apenas quer ver do que é capaz e se faz notar como alguém indestrutível neste mundo, a ponto de seus inimigos se renderem não ao país, mas sim, ao próprio Manhattan.

    Uma prova deste afastamento de sua humanidade é ver Eddy Blake, o Comediante, executar uma mulher grávida a sangue frio e, apesar de demonstrar certo incômodo, não faz nada para que esse evento tenha um desfecho diferente. O próprio Comediante diz que ele poderia ter feito qualquer coisa, inclusive derretido a arma em sua mão, porém, se Jon sabe que pode fazer pequenas mudanças na história, inclusive na sua própria, porque ele simplesmente não usou sua onisciência e evitou que o disparo fosse feito e assim, salvando a vida desta mulher?

    Não só este evento mas tantos outros ele poderia ter mudado, e de fato, ser um Deus bom. Mas, parafraseando Lex Luthor em Batman vs Superman, se ele é bom não é todo poderoso e se não é todo poderoso ele não é bom e para um homem da ciência e com um interesse particular pelo tempo, ser poderoso é mais importante.

    Em “Antes de Watchmen” ele relembra todos os eventos que definem sua trajetória, inclusive todas as alternativas a estes eventos que ocorrem durante a narrativa original, deixando o leitor entender que ele manipulou essas alternativas para que tudo seguisse de acordo como visto na história de Alan Moore. Ele não se denomina como Deus, o que seria contraditório diante de seu background científico, mas se diz um “observador quântico”, talvez inconscientemente recalcando qualquer tipo de sentimento de culpa que sua passividade viria a causar em seu consciente, porém, sempre é possível perceber alguns questionamentos a respeito da sua moral, um traço de auto-crítica extremamente humano.

    Ainda nesta obra, podemos perceber o quanto essa questão do tempo é influente para o personagem, mostrando como ele no seu ponto de vista “observador” manipula os eventos para que ele se aproximasse da segunda Espectral, mostrando que além de se incomodar com a passagem de tempo, abandonando sua esposa que já estava se tornando uma idosa por uma mulher muitos anos mais jovem. Se considerar apenas um observador, ainda conservou a característica humana de manipular tudo buscando algum benefício próprio e até mesmo egoísta.

    Se qualquer pessoa tivesse essa capacidade de onipotência e onipresença talvez agisse de outra forma, ser mais atuante nos problemas globais e trazer algum tipo de paz, mas Manhattan não escolhe seguir um caminho que para nós fosse mais nobre, ele sabe que ao estar ao mesmo tempo entre o passado presente e o futuro, que cada uma destas escolhas surtirá de um efeito no fluxo da história e cuidadosamente ele explora as opções do seu ponto de vista.

    Em Doomsday Clock, vemos Osterman no ponto mais alto do seu ego, ele recria todo o universo DC através de mudanças sutis em eventos diversos ao longo da história, como ao remover do cenário a Lanterna que daria energia a Alan Scott como o primeiro Lanterna Verde e assim, modificando um encadeamento de eventos que tem como seu ponto crítico a não existência da Sociedade da Justiça, além de outros eventos que trariam a vida os Novos 52 como conhecemos.

    A constante experimentação colocou Dr. Manhattan em um caminho que ele não pode mais ver além, o fazendo pensar em duas hipóteses das quais não sabemos o real desfecho, pois a história de Doomsday Clock ainda aguarda seu último capítulo. Para o Deus que não se importa com nada, surge um dilema que até o presente momento não existia para este personagem.

    Por fim, após pensar cuidadosamente sobre esta caminhada de Jon Osterman, de um humano comum para um ser capaz de ultrapassar qualquer barreira da realidade, eu gostaria de fazer uma pergunta a você, meu amigo Terraverser: O que você faria se pudesse ter o poder de Deus? Eu acredito que já tenho a minha resposta.

    Ricardo dos Santos
    Ricardo dos Santoshttps://terraverso.com.br
    Fã de quadrinhos, séries, filmes e games. Apaixonado por DC de Grant Morrison a Alan Moore. Mais um privilegiado de estar na amada Terraverso.

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