Hoje, faz exatamente um ano desde que publiquei aqui uma matéria sobre John Stewart, ainda acredito que tenha sido a matéria mais pessoal que fiz desde o meu início aqui no Terraverso em julho de 2018 e, um ano depois, estou aqui novamente publicando uma matéria em relação a personagens negros em um dia importante como o da Consciência Negra. Este ano eu acredito que foi um ano de avanços, a diversidade pôde ser ouvida em diversos aspectos e, se tratando da pauta racial, vozes se ergueram frente a desigualdade, fazendo a diferença no ano de 2020. A luta ainda segue longe de ser vencida, mas caminhamos em passos firmes para mudar esse cenário.
Em agosto, ocorreu o DC FanDome, o maior evento realizado pela DC neste ano, e contou com uma programação extensa cheia de novidades sobre cinema, séries e quadrinhos da editora. Dentre tantas atrações, uma ganha a atenção por ser um painel surpresa do evento; um bate papo muito descontraído entre Marke Bernardin, Denys Cowan, Jim Lee, Phil LaMarr e Reginald Hudlin sobre a história do selo Milestone Media, voltado para o público preto e lançado em 1993, como o lar de personagens como o Ícone, Foguete e o mais conhecido do público em geral, o Super Choque. Quando realizamos a cobertura ao vivo do FanDome, pude ter o privilégio de compartilhar com meus colegas de redação, e o que parecia ser uma homenagem, se tornou o anúncio do retorno de um dos selos mais importantes da DC em representatividade. Particularmente, considero um dos melhores momentos do evento pelo fato de ter sido o único anúncio relacionado a HQ’s naquele dia, e pela chegada de um tão aguardado filme do Super Choque. Abaixo o momento…eu sou a pessoa atônita com a revelação sobre o filme.
E a empolgação na live do Terraverso quando rolou o anúncio do retorno da Milestone e as produções relacionadas ao Super Choque?
Lindo!!! #Milestone #DCFanDome pic.twitter.com/1UebN4omQX
— Terraverso (@terraverso) August 23, 2020
Talvez algumas pessoas pensem que falar da grandiosidade do selo que dá voz ao povo preto em um dia como hoje seja só mais uma forma de um portal voltado a cultura pop, especificamente DC, usa para ganhar alguns views a custas de temas relacionados a diversidade. Mas nesse espaço, gostaria de usar a oportunidade para refutar isso, relembrando que o Terraverso existe há quatro anos (quase cinco) e em toda a sua existência sempre apoiou e debateu temas relacionados a diversidade, incluindo temas raciais. Muito disso se dá por conta de nossa equipe que não são apenas leitores convencionais, conservadores, mas por sermos uma pequena amostra de diferentes aspectos de consumidores da Cultura Pop e da DC Comics, pensando em toda essa situação, gostaria de recordar quatro momentos sobre a grandiosa Milestone.
A primeira delas é sobre a própria existência do selo ser algo de grande importância. A onda inicial de histórias aconteceu entre 1993 e 1997, e a publicação era feita pela DC, mas todo o controle criativo e até mesmo os direitos autorais ficavam apenas sob responsabilidade da Milestone Media, que criou o seu próprio universo a parte conhecido como Dakotaverso, pelo fato dos eventos acontecerem em Midtown, Dakota.
O único momento que houve interação entre o universo Milestone e os personagens da DC na época, foi no evento “Quando Mundos Colidem” em 1994, mas foi retirado da cronologia oficial DC após o evento “Zero Hora” lançado no mesmo ano. Entretanto, na continuidade da Milestone, o evento que contou com a interação entre Superman e o Ícone continuou sendo lembrado, estabelecendo o Dakotaverso como um universo paralelo.
A segunda coisa importante é a forma como esse universo mesmo sendo pequeno era bem trabalhado. As revistas mensais da editora eram Static ( Super Choque), Ícone, Hardware, Blood Syndicate, Xombi, Kobalt e Heroes que foram sendo lançadas a medida que este universo foi criado, com seus próprios eventos como ‘Shadow War’, ‘Long Hot Summer’ e ‘Quando Mundos Colidem’, falado anteriormente. Além dos eventos, ainda foram lançados spin-offs de alguns títulos como ‘Deathwish’, do personagem Hardware, ‘My Name Is Holocaust’ referente ao Blood Syndicate, ‘Static Shock: Rebirth of the Cool’ e ‘Wise Son: The White Wolf’ com o Blood Syndicate.
As histórias tinham como abordagem a realidade da comunidade negra americana na época, reforçando ainda mais a ideia dos quadrinhos como uma expressão artística da realidade. Essa época é marcada pelas guerras entre gangues, a violência e a discriminação, que infelizmente, ocorre até hoje com o negro em qualquer lugar do mundo. A mensal Blood Syndicate é um exemplo desta abordagem pelos personagens não se considerarem uma equipe de heróis habitual, e sim uma gangue cujo os membros sobreviveram a uma das maiores guerras envolvendo grupos deste universo, chamada de Big Bang, em que eles se reuniram para defender Dakota dos inimigos. Este universo tinha um grau de complexidade a ponto de ter heróis em todos os seus níveis, como a equipe ‘Shadow Cabinet’ que lutava pela humanidade secretamente.
A terceira e uma das mais marcantes é a existência da animação ‘Super Choque’ nos anos 2000. A animação foi produzida pela Warner Bros Animation e tem 52 episódios, totalizando quatro temporadas. As aventuras de Virgil Hawkins, o Super Choque, marcaram época no Brasil quando houve a transmissão pelo canal de TV aberta SBT, sendo uma referência de herói negro para muitas crianças, no meu caso, foi na adolescência, e me recordo como isso também marcou a minha vida porque havia questões raciais sendo discutidas em uma animação e infelizmente não se tinha muitos conteúdos voltados a esse tema naquele período. A capacidade de poder trazer estas discussões de forma tão fluída sem deixar de lado o entretenimento e a diversão com certeza é a razão da animação ter sido inesquecível e marcado uma geração. Acredito que não foi apenas eu, mas uma geração inteira de outros adolescentes negros que puderam se inspirar em Virgil para assim lidar com a sua realidade.
A última e acredito que seja o mais primordial de todos esses momentos já citados, é que a Milestone mesmo não sendo um selo que está na boca de toda pessoa que se denomina um ‘nerd’, foi capaz de deixar uma marca na história do universo dos quadrinhos e até em outras mídias, mesmo que ninguém associe os personagens ao selo, muitas pessoas conhecem heróis como Ícone, Foguete e principalmente, o Super Choque. Com certeza estes personagens abriram espaço para a chegada de outros que hoje acompanhamos nas revistas principais como Jessica Cruz, Simon Baz e Jo Mullein, que protagoniza a sua própria aventura em ‘Far Sector’.
Em 2021, a Milestone se prepara para uma nova leva de publicações e irá trazer este universo para os temas atuais, o que com certeza será outra grande contribuição para o universo dos quadrinhos do modo geral. Acredito que assim como o filme Pantera Negra estabeleceu na Marvel um herói negro originando um grande movimento em torno da cultura do personagem, o lançamento de Super Choque será uma outra grande contribuição para estabelecer de uma vez por todas a existência de heróis negros como protagonistas nos cinemas.