Raphael Fernandes | Conversamos com o editor da revista MAD no Brasil

    A revista MAD deixou saudade. Uma edição de humor satírico e ácido, criada em 1953, sempre parodiou a cultura em geral. No Brasil, ela já teve na capa: o deputado Tiririca, o ex-presidente Lula e até mesmo a apresentadora de TV Xuxa Meneghel. Conversamos com o editor da revista (que está em hiato desde Maio de 2016), Raphael Fernandes, que atualmente é editor e roteirista da Editora Draco.

     

    Alfred E. Neuman, mascote da revista e Raphael Fernandes, o editor no Brasil

     

    Gostaríamos que contasse aos leitores qual seu atual projeto e por que gosta de trabalhar nele;

    Sou editor e roteirista na Editora Draco, que é especializada em quadrinhos e literatura de gênero. Ou seja, tem centenas de títulos de terror, fantasia, policial, ficção científica, humor e seus subgêneros. Bom, eu gosto de trabalhar na editora, pois tenho controle total da produção de quadrinhos e posso realizar todos meus sonhos de roteirista.

     

    A Editora Draco produz livros e quadrinhos nacionais. Por que investir no mercado literário brasileiro?

    Nós gostamos de contar histórias! Na Draco, o maior objetivo de todos é criar nossos próprios universos ficcionais e construir personagens que falem diretamente com nossos leitores. A questão nem é ser de quadrinhos nacionais ou importados. O nosso negócio é criar! Para isso, contamos com muitos escritores, desenhistas, roteiristas e outros colaboradores apaixonados por contar suas próprias histórias. O Brasil sempre foi um celeiro criativo e cultural das mais diversas áreas, só que ao invés de exportar nossas ideias estamos plantando elas por aqui mesmo. Na verdade, a questão da leitura não é apenas para obras nacionais, mas para obras como um todo. Esse problema é fruto de um grave descaso com a educação, que precisa de uma verdadeira evolução para entrar nos eixos. Precisamos de melhorias no ensino, leis de incentivo para produção e acesso, algum tipo de ajuda para produtores e autores locais. Não sou nenhum especialista nisso, mas acredito que podemos fazer nossa parte produzindo, divulgando e consumindo livros e quadrinhos em geral.

    Vimos que você roteiriza algumas histórias em quadrinhos. Quando foi que percebeu que escrever quadrinhos é incrível? Teve alguma história da DC que te influenciou nesse sentido?

    Já publiquei mais de 650 páginas de quadrinhos roteirizadas por mim, mas tenho mais de 200 páginas em produção no momento. Percebi que escrever quadrinhos era parte da minha vida quando fiz um curso de roteiro de HQ para me tornar um editor de HQs melhor. Daí resgatei minha veia de escritor da adolescência e nunca mais parei de produzir minhas histórias. Minhas influências são diversas, mas se considerar que o selo Vertigo faz parte da DC, certamente posso dizer que é uma das minhas mais importantes influências. Sou doente pelos roteiristas da invasão britânica, como Alan Moore, Grant Morrison, Warren Ellis, Neil Gaiman, Jaime Delano, Garth Ennis e muitos outros.

     

    Você tem algum arco ou história da DC que gosta mais? Qual personagem você seria na vida real?

    Gosto muito do run que o Alan Moore escreveu para o Monstro do Pântano, que eu acredito ser a melhor HQ de horror de todos os tempos. Simplesmente não dá pra citar apenas uma história dessa fase, acho tudo perfeito. Também gosto muito de Os Invisíveis e Patrulha do Destino, do Grant Morrison. Se eu fosse um personagem da DC, quem eu seria? Certamente um vilão! HAHAHA! Não sei, mas gostaria de ser o V.

     

    Há alguns anos, tínhamos no Brasil uma adaptação da famosa revista de humor americana MAD. E você conquistou o posto de editor da revista. Como era essa época? Conta para os leitores alguma curiosidade dos bastidores da revista.

    Fui editor da MAD brasileira por longos nove anos, praticamente toda a fase da Panini. Posso dizer tranquilamente que a MAD salvou a minha vida e foi a responsável por me ajudar a compreender que tinha o perfil criativo, que venho colocando em prática na Draco e nos meus projetos autorais. Porém, a MAD também foi uma grande escola de edição pra mim, onde pude cometer meus piores erros e alguns dos meus primeiros acertos. Tive o prazer, por exemplo, de editar grandes nomes como Roger Cruz, Camilo Solano, Raphael Salimena, Camaleão, Fábio Rabin, Nizo Neto, Juarez Ricci, Elias Silveira, Guabiras, Gilmar, Marcio Baraldi, Marcatti, Laudo Ferreira, Ryot, Thiago Cruz, PriWi e muitos outros.
    O que mais sinto saudade na MAD é do clima selvagem de poder fazer e pensar o que quiser. Fiz uma série de festas da revista, sendo que uma delas teve open bar de tubaína, uma banda de surf music e só paramos a festa quando a polícia chegou. Também contei muitas histórias reais absurdas no editorial e bebi muita cerveja de graça falando que era editor da maior revista de humor do mundo. Porém, meu maior orgulho na revista foi sempre tentar fazer algo inovador, mas sempre respeitando as origens da publicação. Acredito que ela acabou quando tinha que acabar e estou satisfeito com os acertos e erros que cometemos.

     

    Edição Especial de 144 páginas lançado em Outubro de 2017

     

    Dan Didio, vice presidente da DC Comics, publicou esse mês um post prometendo repaginar e reiniciar a revista. Você acha que ainda podemos rever a revista em terras tupiniquins? Em tempos de tanta critica aos meios de comunicação, inclusive aos quadrinhos e suas adaptações, cabe no nosso mercado um retorno da revista com seu humor satírico e ácido?

    Sinceramente, eu não estava nem sabendo dessa atualização da revista. Acho essa mudança importante, pois a MAD gringa já estava virando uma caricatura do que já foi. Sinto que ela deveria ser uma revista muito louca, que começa no papel, mas vai pro Youtube, Instagram e tal. O desenho animado deu uma requentada, mas também era limitado pela faixa etária. Sinceramente, nunca vi a MAD como uma revista para crianças. Ela é uma revista adulta que é lida por crianças. Nós estávamos ali pra dizer coisas pros seus filhos que vocês não tinham coragem de dizer ou mesmo que eram caretas demais pra sacar. O humor sempre terá espaço! A grande dificuldade de fazer humor é estar atento ao significado de tudo o que você faz. A função social do humor é nivelar os poderosos, famosos e ricos ao nível do restante da humanidade, mas além disso também serve para melhorar nosso senso crítico, capacidade de imaginar cenas absurdas e criar contextos fantásticos. Uma revista como a MAD não pode estar nas mãos de um grande conglomerado corporativo como é a Warner, devia sempre permanecer independente. Hoje, eu faria a MAD zoando extrema direita, políticos cretinos, racistas, xenófobos, homofóbicos, nosso comportamento robótico, nossos medos da tecnologia, toda preguiça da indústria cultural, a picaretagem da mídia e, claro, sempre zoando a nós mesmos que nunca fomos grande coisa.

     

    Nós estávamos ali pra dizer coisas pros seus filhos que vocês não tinham coragem de dizer ou mesmo que eram caretas demais pra sacar.

     

     

    Melhor filme: O Homem de Aço ou Batman vs. Superman?

    Nenhum dos dois. O Homem de Aço é um filme que destrói todo o universo de um dos meus personagens favoritos. Quase não consegui terminar de ver e prometi que não veria nenhum outro filme nesse esquema Zack Snyder no cinema. Ou seja, nem vi o outro. Particularmente, se posso citar algo da DC que eu gosto bastante no cinema seria o segundo filme do Nolan. De todos os tempos? Superman com o Reeve.

     

    Melhor escritor: Frank Miller ou Alan Moore?

    Alan Moore é um roteirista muito melhor, mas o Frank Miller é um quadrinista mais completo e que revolucionou a narrativa nas histórias em quadrinhos.

     

    Faltou quem na Liga da Justiça?: Lanterna Verde ou Caçador de Marte?

    Faltou um bom roteirista e uma produção menos cretina.

     

    Voltando as questões, teve alguma HQ que causou influencias na sua forma de escrever?

    Na verdade foram muitas, toda semana tem uma nova. Vou citar algumas que realmente me influenciaram: Demolidor, de Frank Miller; Monstro do Pântano, de Alan Moore; Sandman, de Neil Gaiman; Preacher, de Garth Ennis; Diomedes, de Lourenço Mutarelli; Dylan Dog; Uzumaki, de Junji Ito; Os Invisíveis, de Grant Morrison; Gotham, de Ed Brubaker e Greg Rucka; Homem-Aranha, de Stan Lee e Ditko; Maus, de Art Spiegerman… a lista é infinita. E, sinceramente, muitos desenhistas influenciaram nesse estilo de escrita também. Como editor, posso dizer que sou totalmente influenciado pela poderosa Karen Berger, que criou o selo Vertigo. Hoje, ela tá começando um trabalho bem legal com o selo Black Crown da Dark Horse.

     

    Quem quer seguir o caminho de ser editor e escritor precisa ter que tipo de formação? Que conselhos daria pra quem quer seguir essa carreira?

    Acredito que seja a pior pessoa para indicar esse tipo de formação, pois sou formado em História. Porém, se posso dar uma série de conselhos para quem quer trabalhar no meio editorial, diria: domine a língua portuguesa; domine o inglês, o japonês ou o italiano; busque ter conhecimentos gerais de cultura, arte, política, sociedade, etc; faça cursos para conhecer os processos editoriais; e esteja preparado para ganhar muito mal. Se você quer escrever, a grande dica é tenha bastante experiência de vida e coloque seu coração em cada uma das palavras de suas histórias. Não tem faculdade, curso ou pessoa capaz de te ensinar como colocar ideias, sentimentos e universos para fora. Seu maior mestre é a vida e perceber toda a magia que existe nela.

     

    Tem algum projeto na editora relacionado a DC Comics em vista? Se não, em que projeto relacionado a DC você gostaria de trabalhar?

    Não, a Editora Draco não tem planos de editar nada da DC Comics. Porém, nosso sonho é nos tornarmos uma espécie de Vertigo do Brasil. Se eu pudesse escrever para a DC, gostaria de fazer histórias do Desafiador, do Monstro do Pântano, da Patrulha do Destino, do Questão, do Arqueiro Verde e, se possível, brincar com todo o universo de magia da DC. Ou mesmo escrever alguma coisa relacionada ao mundo do crime de Gotham, mas do ponto de vista de uma pessoa comum que mora naquelas quebradas.

     

    Qual sua opinião com respeito ao futuro do Universo da DC? Acha que o universo compartilhado no cinema pode melhorar? E nos quadrinhos, o que acha sobre as mudanças nas origens dos personagens base da editora, como Batman, Superman, Mulher Maravilha?

    Inicialmente, achei Renascimento uma proposta muito interessante, mas no fim tudo continuou na mesma. Poderiam devolver os personagens da Vertigo pra sua casa original ou deixar todos no selo Young Animal, que parece MUITO legal. Sinto falta de boas histórias fechadas dos personagens, como as que vi Mark Waid escrevendo pro Flash, Geoff Johns pra SJA, Greg Rucka pro Batman e Grant Morrison em Superman All-Star (abomino o Super de calça jeans).
    Na minha humilde opinião, de grande fã da editora, o universo atual dos cinemas deveria ser jogado no lixo e reiniciado por alguém que realmente seja apaixonado pelos personagens (a dica é: comece pelos menos poderosos e não tão famosos).
    Particularmente, eu adorei a nova fase da Mulher Maravilha nas HQs, que nunca me chamou a atenção. Achei a família Superman chupinhada de Legado de Júpiter, do Mark Millar. E não gosto desse Batman capaz de domar aviões como se fosse um cavalo selvagem. Para mim, o Batman tinha que ser um baita estrategista e investigador, sempre enfiado em crimes insanos, situações noir e longe desses personagens ultrapoderosos.

     

    Deixa uma mensagem para os novos e antigos leitores de quadrinhos.

    Sempre vou ser um grande interessado por quadrinhos de super-heróis e acredito que essa seja uma indústria que sempre vai nos trazer ideias bacanas de tempos em tempos. Porém, se posso dar uma dica de ouro pra qualquer leitor é: saia da sua zona de conforto. Leia mais quadrinhos de outros gêneros, como horror, fantasia, ficção científica, política, crime, biografias, drama, etc. Também tente ler sempre quadrinhos de todas as partes do mundo. Ao longo da sua vida, vai perceber que o universo das HQs é gigantesco e permite qualquer tipo de narrativa. Não precisa deixar de acompanhar os supers, como eu nunca deixei, mas depois de perceber que a produção é muito mais rica do que parece, sua vida será outra. O mesmo serve para o cinema, a música, as séries, a literatura, etc. Seja o mestre da sua própria vida.

     

    Will Rodrigues
    Will Rodrigueshttps://terraverso.com.br
    Estivador, Escritor, Gênero: Terror, Futuro Cavalheiro de Windsor, Morador de Mordor, Batfã, Notívago. Escrevo aqui e para a humanidade por hobby. Fora os poemas pra alguém especial. "Não leve a vida tão a sério. Você não vai sair vivo dela."

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