Coringa | Revisitando “O Palhaço à Meia-Noite”, de Grant Morrison

    Como parte dos preparativos para o filme do Coringa que já estreou nos cinemas na última quarta-feira, escolhemos falar hoje sobre uma história não tão conhecida do Coringa… pelo menos a mesma não costuma figurar em listagens e menções de melhores histórias do Palhaço do Crime, lugares que costumam ser ocupados por Asilo Arkham, A Piada Mortal, entre outros. A história da vez é “O Palhaço à Meia-Noite”, de Grant Morrison com ilustrações de John Van Fleet.

    Contextualizando

    O grande run de Grant Morrison na revista do morcego, que se iniciou em Batman e Filho (2006) e se encerrou em Corporação Batman (2012), foi uma verdadeira epopeia que contou com histórias de detetive, como em Luva Negra, até a megalomaníaca e cósmica Crise Final. Dentre essas histórias e arcos maiores, sempre existem intervalos em que os autores exploram histórias curtas em um capítulo único – os famosos one-shots. E um desses é justamente o Palhaço a Meia-Noite, publicada originalmente em Batman #663, e no Brasil na edição #65 da mensal do Batman na Panini, assim como posteriormente no encadernado Batman e Filho.

    Coringa contra o Batman (farsante), em Batman e Filho.

    A história

    SPOILERS À FRENTE

    A história, contada em prosa (a única de todo o run de Morrison nesse estilo) se situa logo após o fim de Batman e Filho, arco no qual o coringa levou um tiro na cabeça de um dos farsantes que se passava pelo Batman.
    Em estado catatônico, tanto por conta do tiro quanto por conta dos tratamentos de choque que anda recebendo no Arkham, Coringa está aparentemente vulnerável, indefeso e sem chances de cometer suas atrocidades. Porém, isso é contrariado pelas contínuas mortes de seus antigos capangas e empregados que andam ocorrendo, todas com rastros da toxina do Coringa.

    Assim como na piada mortal, a primeira cena se inicia com chuva e melancolia.

    Então, enquanto Morrison nos vislumbra com inúmeras referências à Piada Mortal e ao próprio grande arco que está construindo, o mistério paira no ar: O Coringa está mesmo matando seus ex-capangas? Por que ele faria isso? O que nos leva diretamente ao Asilo Arkham, em que o restante da história se desenrolará – o que lembra em muito outra obra do próprio Morrison: Asilo Arkham, Uma Séria Casa em um Sério Mundo.

    Falando em Arkham, outro ponto à ser citado são os desenhos de John Van Fleet. Apesar de nem de longe serem o destaque, já que o grande charme dessa história é seu formato proseado, os desenhos de Fleet tem uma aura de bizarrice e de sujeira que combinam muito com o clima da história. As representações de cenário e o foco nos rostos dos personagens trazem bem a aura de loucura que o autor está tentando mostrar.

    À partir do momento em que Batman confronta o Coringa, passando por todo o descobrimento de que a fonoaudióloga que vinha tratando o Coringa era a própria Arlequina, até o clímax da briga entre Batman x Coringa x Arlequina, o que verdadeiramente surpreende e conduz a trama é a transformação do Palhaço do Crime.

    Batman vs Coringa

    Metamorfose Ambulante

    No início de Batman e Filho, temos propositalmente uma representação do Coringa mais clássico e palhaço o possível: ele sequestra várias crianças utilizando um helicóptero que possui o formato de seu rosto. Além de ser de conhecimento que Morrison adora resgatar elementos da Era de Prata que fizeram sua infância. Essa representação cômica do Coringa também serve para ilustrar a transformação pela qual o vilão passará na história seguinte: da persona mais assemelhada às representações de Cesar Romero e Jack Nicholson, o Coringa se reinventa e passa por uma total metamorfose em O Palhaço à Meia Noite: Fica mais psicótico, mais doente e mais perigoso.

    Isso é ilustrado em diversas páginas, com parágrafos da história totalmente dedicados aos pensamentos homicidas e sádicos do Palhaço do Crime. Outro fato que mostra sua derrocada mental é o plano de matar seus antigos comparsas, plano que ele obrigou a Arlequina a executar, tentando assassiná-la ainda após isso. E é claro que o plano desde o início das matanças sempre foi o de atrair o Batman ao Asilo no momento certo. A partir daí continua contagem regressiva na HQ, cujo clímax é planejado pelo Coringa para a meia-noite.

    Coringa tentando matar a Arlequina

    Interessante notar que apesar de ser uma mudança drástica em sua personalidade, o autor tenta manter certa neutralidade ao mostrar os pensamentos do Coringa no momento de sua metamorfose: em certo ponto ele parece se questionar sobre o motivo do que está ocorrendo. Estariam os médicos do Arkham corretos sobre ele não ter uma persona própria? Talvez ele seja especial, ou extremamente doente e autodestrutivo… ele até cita a possibilidade de ser fruto de uma mutação gerada por águas industriais pegajosas. (Piada Mortal novamente).

    Ao mesmo tempo em que a HQ serve para mostrar, ou até mesmo justificar o motivo de vermos tantas interpretações para o Coringa variando de autor para autor (Morrison, como grande entendedor do Universo DC, adora considerar tudo o que já ocorreu como canônico), a narrativa também não subestima a história do vilão e da rivalidade para com o Batman. Assim como Alan Moore fez em A Piada Mortal, não saímos da história com respostas fixas e lógicas, apenas possibilidades e mais potenciais dúvidas.

    Illustration for article titled The Complete History Of The Joker's Many, Many Incarnations
    As várias faces do Coringa, de certa maneira justificadas por Morrison.

    E vale citar que, além das referências e do desenvolvimento do Coringa, temos detalhes na história que servem ao propósito maior de Morrison enquanto escrevia seu run, como as várias citações ao preto e vermelho (cores que permeiam toda a história até o arco RIP, e um dos elementos que serve para aumentar a paranoia do Batman com o mundo ao seu redor). Apesar do vilão Dr. Hurt (grande vilão do arco) querer demonstrar que todos eram peças em seu tabuleiro que futuramente serviriam para derrubar o Batman, o Coringa – agora, transformado – está mais consciente do que nunca de todas as cordas tentando manipulá-lo.

    Daniel Martins
    Daniel Martins
    Louco por explorar vários cantos da cultura pop, em especial filmes e HQs. Fissurado em Batman, Christopher Nolan, Zack Snyder e jogos 16 bits.

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