Desafiando todas as suas concepções sobre filmes de super-heróis e jogando tudo pela janela, ‘Aves de Rapina’ é divertido, corajoso e violento, servindo como um pontapé certeiro na direção em que o Universo DC tem seguido. Um belo presente aos fãs da editora.
Cathy Yan, uma diretora novata, foi praticamente pescada dos festivais de cinema para dar vida a uma ideia que foi cozinhada por 4 anos e meio, e apesar de nunca ter comandado uma produção gigante de Hollywood, Yan passeia pelas (quase) duas horas de duração da ‘Fantabulosa Emancipação da Arlequina‘ com facilidade, sem momentos perdidos, seu filme se encaixa brilhantemente dentro do novo modelo de produções reforçado pela Warner em seus recentes lançamentos, ‘Shazam‘ e ‘Coringa.’
Colocando foco na Arlequina em busca de uma nova identidade após sua separação com o Coringa, Cathy triunfa ao optar por uma narrativa desconstruída, em que eventos vão e vem, conversando com a audiência através da protagonista, que não mede palavras e interrupções ao contar o seu lado da história. E é por conta disso que vivenciamos uma viagem completamente frenética e sem paradas por uma Gotham tão colorida, viva e cheia de (uma nova) identidade, algo inédito dentro do universo do Homem-Morcego.
As escolhas são arriscadas, mas todas conseguem se pagar da melhor maneira possível, piadas não ficam no ar, ações geram consequências significativas e cada frase que sai da boca de Margot Robbie, nossa protagonista, é recebida com o maior dos entusiasmos, pois nos importamos com Harleen, e estamos investidos em sua emancipação do minuto que o filme começa até quando termina.
Robbie entrega sua melhor versão de Arlequina aqui, seja com a personagem tomando controle ou o perdendo logo em seguida, a atriz permanece com o espírito da anti-heroína vivo em todas as cenas, como se as duas fossem uma só, e a maquiagem pesada fosse apenas uma maneira de acordar esse alter ego violento e perigoso.
Mas ela não está sozinha no pacote de surpresas que Aves de Rapina esconde em segredo, seu até então elenco de apoio recheia o filme a todo momento, com cenas de tirar o fôlego e tomam a frente em inúmeras vezes, tornando o filme mais diversificado e mantendo uma só direção. Todas estão ali pelo mesmo motivo, e apesar de começarem de lugares distintos, de alguma maneira, encontrarão juntas suas próprias emancipações pessoais.
A Helena Bertinelli de Mary Elizabeth Winstead é direta ao ponto, movida por vingança, Helena tenta cumprir seu dever estabelecido durante a narrativa propositalmente quebrada do filme, suas cenas de batalha e treinamento deixam uma impressão positiva, sem entregar tudo de mãos beijadas. Lá pelo segundo ato, você se apaixona pela maneira estranha que a personagem tem ao tentar interagir com outras pessoas, e a dificuldade que é estabelecer seu nome como vigilante em Gotham serve como uma bela piada que não perde a graça.
A Dinah Lance de Jurnee Smollett-Bell é um presente para qualquer fã assumido da DC, seja nos quadrinhos, ou na TV, Canário Negro sempre carregou certo destaque quando chegava em cena, e aqui não poderia ser diferente. Smollett aparece pela primeira vez no filme por trás de um microfone, e sua belíssima voz toma conta da cena. Sua presença de palco é tão forte quanto seu visual, que é o que mais se destaca durante o filme. Ela não passa desapercebida, mesmo quando está no fundo da cena. Suas habilidades ganham destaque em duas grandes cenas, uma delas com o lendário Canary Cry, que não decepciona nem um pouco quando acontece.
Ewan McGregor está visivelmente se divertindo muito com o seu Máscara Negra, entre seus pulinhos de felicidade quando faz algo ruim, seus constantes gritos para chamar atenção, e seus momentos de surto quando algo sai de seu poder, Roman Sionis se destaca entre os vilões da DC por sua originalidade, não existem outros como Roman nos longas da DC (até o momento), deixando para McGregor a oportunidade de brincar e se arriscar com algo novo, e é exatamente o que ele faz. Seu relacionamento com Victor Zsasz é caricato, a química entre Ewan e Chris Messina é gigante, e funciona em todas as cenas que compartilham juntos. Roman se aconchega aos ouvidos de Zsasz, fazendo do mercenário sua única companhia.
Zsasz por sua vez é unilateral, seguindo fidelidade ao personagem nos quadrinhos, seu único estado de espírito é sanguinário, fazendo Messina brilhar em cenas que seu personagem ameaça a vida de alguém a sua volta, ou quando parece querer proteger Roman de todos que ousam trair o rei do crime.
Rosie Perez e Ella Jay Basco são as que ficam com menos atrativos em cena, a Renee Montoya de Rosie é bem centrada e decidida, e Rosie faz um bom trabalho em representar um verdadeiro exemplo de mulher lésbica em um ambiente de trabalho tóxico. Já a Cassandra de Ella é a personagem que mais se desvia de sua origem nas HQs. Não esqueça tudo que você sabe sobre a personagem, mas assista sem bagagem, pois a jovem assassina da Bat-família não esta ali. Ella, que faz sua estreia aqui, consegue convencer com seus pequenos momentos de afeto com Margot, servindo como motivação para completar o arco da criminosa em seu caminho de descobrimento.
Aves de Rapina é cheio de surpresas, que te apresenta para uma Gotham convidativa, personagens apaixonantes, e cenas de ação de tirar o fôlego. Fazendo maravilhas para a representatividade no gênero, o longa busca não só a emancipação de suas protagonistas, mas como a quebra desse modelo de filmes de heróis centrados em personagens masculinos que estão sempre em busca da mesma coisa.
Nota: