Em 2021, as séries baseadas em quadrinhos se tornaram tão populares e comuns que extrapolam o gênero de super-heróis, e estão tão presentes quanto os filmes. A Marvel já exibiu duas séries no Disney + e tem outras várias engatilhadas, e a DC tem as séries do Arrowverso em andamento, bem como Titãs, Patrulha do Destino, e as que chegarão no HBO Max (série da polícia de Gotham ligada à The Batman e a série da Tropa dos Lanternas Verdes), fora as adaptações de obras da Vertigo, como DMZ e Sweet Tooth.
Há 20 anos, porém, era bem diferente. Os heróis eram apostas consideradas arriscadas, dado que os casos de sucesso no cinema ainda se limitavam à obras pontuais do Superman, Batman, X-Men e Blade. O Homem Aranha de Sam Raimi e o Batman de Christopher Nolan ainda estavam por vir, e nesse cenário estreou Smallville, a celebrada série do Superman criada por Alfred Gough e Miles Millar.
Durando 10 temporadas (de 2001 à 2011), Smallville teve 217 episódios, com cerca de 22 episódios por temporada. Fez muito sucesso em vários países, incluindo no Brasil, onde foi exibido pelo SBT por vários anos. É verdade que muitas pessoas não gostavam da série, ou deixaram de gostar da mesma em algum ponto – seja pela longevidade e grande quantidade de episódios, ou pela defasagem nos efeitos especiais causados pelo relativamente baixo orçamento, abaixo do padrão de filmes do gênero – mas ainda assim, é inegável a importância da série como influência para o futuro do gênero.
Um universo à parte
A série se iniciou com uma premissa simples: contar a juventude de Clark Kent (interpretado por Tom Welling). Explorar aquele espaço da adolescência que vimos durante poucos minutos em Superman de 1978. Uma das inspirações para a série veio da HQ Superman – As Quatro Estações, de Jeph Loeb e Tim Sale, que preenchia esse espaço de tempo de Clark vivendo discretamente em Smallville enquanto desenvolve cada vez mais os seus poderes.
Nas primeiras temporadas, o núcleo de personagens permaneceu basicamente o mesmo, com os amigos do colégio – Chloe Sullivan (Allison Mack), Pete Ross (Sam Jones III) e Lana Lang (Kristin Kreuk), os pais Jonathan (John Schneider) e Martha (Annette O’Toole), além do amigo (e futuro arqui-inimigo), Lex Luthor (Michael Rosenbaum) e seu pai Lionel (John Glover).
Pete, Lana e Clark.
Aliás, um dos consensos dos fãs quanto à série, é de que Lex e Lionel Luthor eram dois dos melhores personagens. Lionel desde o início foi um grande vilão, ardiloso e astuto, ele mandava e desmandava em Smallville e em Metropolis. Determinado à atrapalhar a vida dos Kent, ele foi o responsável por moldar Lex no vilão que ele se tornaria no futuro. Lex por sua vez, inicia a série como um aliado de Clark, e desde o início demonstra o porquê de ser um dos destaques da série: ele carrega consigo uma gigante dualidade, a eterna dúvida de quem ele deveria ser e de quem o pai deve esperava que ele fosse. Esse Lex tinha um olhar de compaixão e conivência, mas ao mesmo tempo um certo cinismo que denotava que havia algo a mais se passando em sua mente. E à medida em que as temporadas avançam, a dualidade vai dando lugar à total escuridão.
Lex e seu pai, Lionel.
Com o passar das temporadas, graças à acontecimentos como a morte de seu pai e à mudança de Clark para Metropolis, o núcleo de personagens foi se alterando. O antigo interesse amoroso do colégio, Lana Lang, dá lugar à sua colega de trabalho, Lois Lane. Os amigos do colégio dão lugar à colegas de trabalho, como Jimmy Olsen, e aliados como Tess Mercer, Oliver Queen (Arqueiro Verde, interpretado por Justin Hartley) e até sua prima Kara, a Supergirl (Laura Vandervoort). Eventualmente, até outros heróis da Liga e Sociedade da Justiça apareceram, conforme citaremos na parte dos episódios marcantes.
Repetindo o terceiro parágrafo: a série sempre dividiu opiniões. E enquanto parte do fandom da produção gosta de tudo o que foi feito, muitos se dividem com relação às primeiras temporadas e às temporadas finais, quase como uma relação dos otakus com Naruto e Naruto Shippuden. Algumas pessoas gostam do fato de outros heróis aparecerem nas temporadas finais, expandindo o universo da série, enquanto outras pessoas preferem a simplicidade das primeiras, alegando que as temporadas finais quiseram incluir mais elementos do que o enredo precisava. E mais do que o orçamento aguentasse, afinal mais poderes em tela = mais efeitos, que quanto mais apareciam, mais datados aparentavam. Aqui, poderíamos citar vários episódios que consideramos ruins, seja quando a Lana vira uma vampira, seja quando Pete Ross ganha poderes de elástico ao mascar um chiclete de Kryptonita. Porém, vamos focar nos bons episódios, e no belo legado que a série deixou.
Episódios marcantes
Abaixo, a nossa seleção de episódios notáveis. Tentamos selecionar pelo menos um pouco de cada metade da série. Sintam-se livres para citarem outros episódios que vocês se lembram nos comentários daqui ou das redes sociais.
Piloto – S01E01
Escolha clichê, mas não tem jeito: o primeiro episódio da série é especial. Ele nos introduz rapidamente a chegada de Clark à Terra em 1989, junto de uma chuva de meteoros que trará várias consequências para Smallville. Depois, o episódio ainda nos apresenta todo o núcleo de personagens: Pete, Lana e Chloe, além dos pais de Clark. No meio, temos também a introdução de Lex, que é salvo por Clark pela primeira vez – situação que se repetiria algumas vezes na série.
Respostas – S02E17
O episódio com a participação de Christopher Reeve não poderia ficar de fora. Ele interpreta o cientista Dr. Virgil Swann, que é a primeira pessoa à contar para Clark sobre sua origem Kryptoniana. Além do retorno de Reeve às telas por si só ser especial, algumas trilhas do filme de 1978 são usadas no episódio.
Tempestade – S01E21
Atualmente, as produções de super heróis chegaram à um nível em que os heróis brigam com deuses, se aventuram pelo multiverso, entre outras empreitadas de escala gigantesca. Mas o charme de Smallville (pelo menos nas primeiras temporadas) eram os problemas cotidianos e humanos que Clark enfrentava. A season finale da primeira temporada sintetiza isso: enquanto uma repórter chega perto sobre a verdade envolvendo os seus poderes, Clark ainda tem que enfrentar a ameaça de um tornado que se aproxima de Smallville, tudo isso enquanto o baile de primavera se aproxima.
Transferência – S04E05
Basicamente Clark e Lionel Luthor trocam de corpos. Só isso já instigou qualquer fã da série à saber o que iria rolar. Tom Welling mostrava sua capacidade de atuação principalmente nas situações em que Clark ficava “do mau” por algum motivo, e aqui não foi diferente com ele interpretando Lionel.
Sociedade – S09E11
Concebido originalmente como dois episódios separados e escrito por Geoff Johns (lembrando que nos anos 2000, Johns era o homem do toque de midas na DC, que fazia os maiores sucessos da empresa, como Crise Infinita e A Noite Mais Densa), Sociedade (ou Absolute Justice, no original), consiste em um grande episódio de duas horas que introduz a Sociedade da Justiça da América. Após algumas aparições da Liga da Justiça que Oliver montou, e da Legião dos Super Heróis, esse foi o terceiro time de heróis a aparecer na série, porém, foi o que teve maior destaque, e o episódio mais lembrado (inclusive com a maior audiência da temporada). Os típicos conceitos de legado da DC são abordados no episódio, e fica também o destaque para a bela caracterização do Senhor Destino.
Booster – S10E18
Escrito também por Geoff Johns, esse episódio foi dirigido pelo próprio astro Tom Welling. Nele, é introduzido “o maior herói do qual você nunca ouviu falar” – Gladiador Dourado, interpretado por Eric Martsolf. Gladiador é um herói do futuro, que sabe exatamente o tamanho da lenda que Clark vai se tornar. Outro detalhe especial sobre esse episódio: Nele, Clark começa a adotar sua personalidade desajeitada com os óculos e até faz a troca de roupa na cabine telefônica, pela qual o Superman é bem conhecido.
Legado e continuações
Com o sucesso da série, inevitavelmente viriam HQ’s baseadas na mesma. Ainda em 2002, tivemos o título Smallville: The Comic, uma one shot que servia de spin-off, com preenchimento de pequenas lacunas. A revista não vinha só com a HQ, mas também com entrevistas e informações dos bastidores da série.
Assim como a revista acima, em 2003 foi lançada uma minissérie de 11 edições nos mesmos moldes, com histórias curtas, entrevistas e outras informações.
Já em 2012, foi lançada uma continuação em HQ’s, Smallville: Season 11, escrita por Bryan Q. Miller e desenhada por Pere Perez. Essa série merece ser mais citada, já que não foi feita no modo automático como os spin-offs citados neste texto. A série, em formato digital, durou 69 edições que expandiam bastante a mitologia da série, incluindo até Batman, Asa Noturna, Mulher-Maravilha e os Monitores na história. Após isso, em 2014, houve outra minissérie também escrita por Bryan Q Miller, chamada Smallville Conituity, dessa vez com 12 edições.
Smallville: Season 11, de 2012
Smallville: Continuity, de 2014.
Arrowverse
Em setembro de 2019, foi anunciado que Tom Welling e Erica Durance iriam reprisar seus papéis de Clark Kent e Lois Lane no crossover do Arrowverso chamado “Crise nas Infinitas Terras”. O crossover estabelece que os eventos de Smallville ocorreram na Terra-167, e revela que nos anos após o final da série, Clark desistiu de seus poderes e assumiu a fazenda dos Kent, onde ele e Lois criam suas duas filhas. Michael Rosenbaum foi convidado para reprisar seu papel de Lex Luthor, porém ele recusou por conta da abordagem da Warner Bros. Não lhe apresentaram um roteiro, não disseram o que Lex iria fazer, nem o avisaram de quando seriam as filmagens. Entretanto, a rápida aparição de Clark e Lois foi comemorada pelos fãs, apesar de muitas lamentarem Clark ter desistido de seus poderes.
Possível animação?
Nesse ano, em uma live em seu Instagram, Michael Rosenbaum revelou que ele e Tom Welling estão tentando desenvolver uma continuação para a série em forma de animação. Não se sabe o nível da negociação em que essa proposta se encontra, mas é muito legal ver os intérpretes de Lex e Clark unidos por uma possível continuação. Fica aqui a torcida para que isso aconteça, afinal, queremos ver mais do Clark agindo como Superman antes de sua aposentadoria, bem como queremos ver Lex presidente e as consequências que isso trouxe ao mundo.