No dia 18 de abril de 1938, surgia nas bancas americanas uma visão de outro mundo – literalmente. Era um homem de colant azul e capa vermelha que carregava com facilidade sob seus ombros um automóvel, que era destruído em uma pedra enquanto pessoas assistiam atônitas e corriam em desespero, tudo isso estampando a capa de uma revista em quadrinhos. A revista em questão era a primeira edição da Action Comics e o homem desconhecido era o hoje aclamado Superman. A Action Comics #1 ainda trouxe personagens importantes para a história da nona arte como Chuck Dawson, Zatara e Tex Thompson, mas nada comparado ao que o personagem de Jerry Siegel e Joe Shuster significaria para a indústria.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Clark Kent foi o primeiro herói a vir com um SUPER na frente. O início de tudo. O aviso de que mais capas vermelhas estavam chegando. A ação e o conceito visto na primeira história do Superman pegaram crianças e adultos de surpresa. Além de seu ineditismo e poder criativo, o personagem também tinha um outro poder: o sentimento. Jerry, filho de imigrantes judeus fascinado por histórias em quadrinhos e ficção científica, tímido e vítima de bullying, colocou toda sua alma e espírito sonhador em seus personagens também estrangeiros Clark Kent e Superman, somados ao virtuosismo e talento de seu melhor amigo e agora colaborador, Joe. Aquela que serviu de modelo para Lois Lane, Joanne Carter, mais tarde viraria Joanne Siegel, a própria esposa de Jerry. É nesse espelhamento entre a vida real e suas criações que Jerry Siegel construiu a história do homem mais inspirador da Terra. E assim foi, em meio a ações na justiça e alguns conflitos, que o personagem se afastou de seus progenitores e ganhou diversas capas, outdoors, games, comerciais e o imaginário popular mundial.⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀
E 80 anos depois de seu lançamento icônico e de inspirar gerações de pessoas, artistas e personagens, a Action Comics chega no seu milésimo número. O Superman chega nos seus 80 anos! E para comemorar esse marco dos quadrinhos, a DC Comics quis realizar uma homenagem tão grande quanto o herói. Revisitando o cânone do personagem através dos anos, escritores e ilustradores renomados da editora tiveram a difícil missão de sintetizar, em poucas páginas, o que é o Superman. Sintetizar o que simboliza o nosso tão querido Super-Homem. E conseguiram! Uns mais, outros menos, é verdade… Mas estes artistas conseguiram reproduzir parte do sentimento de fascínio dos leitores de 1938 até hoje, ao ler as histórias do Azulão. A Action Comics #1000 traz grandes histórias do Superman para quem não conhece o personagem, mas para quem já é fã de longa data do Último Filho de Krypton o resultado é nada menos do que emocionante e imperdível.
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Começando pelas capas variantes especiais da edição -Leia mais aqui- , que reúnem capistas de respeito e qualidade técnica assombrosa. Cada uma delas retrata uma fase do herói, uma década diferente da Action Comics, além de se tornarem uma grande peça de colecionador dividida em múltiplas partes. É interessante notar como as capas nos mergulham na história e evolução da banda desenhada, sendo possível perceber qual década o ilustrador retrata sem precisar ler na legenda. Ao abrir a Action Comics #1000 encontramos histórias que buscam colocar o leitor sob novas perspectivas. Sejam elas apresentadas pelo próprio Homem de Aço como em An Enemy Within (Escrita por Marv Wolfman com arte de Curt Swan) e Five Minutes (De Louise Simonson com ilustrações de Jerry Ordway). Ou contadas por vilões clássico como em The Fifth Season (História de Scott Snyder com desenhos de Rafael Albuquerque) e Actionland (O encontro dos dois monstros sagrados Paul Dini e José Luis Garcia-López). E temos também histórias onde o tempo é destacado e usado diretamente como instrumento de construção da narrativa, Of Tomorrow (da dupla já badalada Tom King e Clay Mann) e Never-Ending Battle (Escrita por Peter J. Tomasi com arte de Patrick Gleason).
Os artistas procuram construir histórias simples que aproveitem do uso de um discurso mais direto para passar sua mensagem principal sem ofender a inteligência do espectador. As diferentes soluções encontradas são todas muito interessantes, e mesmo os caminhos mais fáceis são utilizadas de maneira muito inteligente. O melhor exemplo disto seria Of Tomorrow. Tom King escreve pouco e de forma precisa, colocando o Homem de Aço em uma Terra que está a poucos momentos de sua destruição pela expansão solar. Repetindo sua parceria bem sucedida com Clay Mann, que nos apresenta a cores e paisagens quentes e brilhantes, a dupla nos entrega justamente o que queremos e precisamos para nos emocionar. E tudo isso é feito apenas com uma conversa “solitária” de Kal-El. O mesmo se repete em Never-Ending Battle e na maravilhosa Faster Than a Speed Bullet, de Brad Meltzer e arte (belíssima) de John Cassaday, que conta uma história que explora o dizer “mais rápido que uma bala” e incluí uma homenagem a Christopher Reeve em seu encerramento.
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É interessante notar também que, além dos 80 anos do Superman, a Action Comics #1000 marca os 80 anos da Lois Lane, e ela também é homenageada aqui (apesar de achar, em caráter bem pessoal, de que a personagem merecia pelo menos uma história dedicada dentro da obra). Perry, Jimmy e o Planeta Diário também marcam sua presença. Luthor não poderia ficar de fora, e em The Fifth Season Snyder consegue compactar muito bem a personalidade do vilão e sua famosa oratória em apenas alguns quadros, assim como sua relação com o Superman.⠀⠀⠀⠀⠀⠀
Também temos histórias que buscam, dentro de um formato mais convencional, mais próximo de uma história secundária que normalmente encontramos na Action Comics, contar o mito do Superman através da própria ficção dos quadrinhos. The Game, de Paul Levitz e Neal Adams, busca a inocência e o humor que permeou as Eras de Ouro e Prata. Já a história que abre a edição, From the City that Has Everything, do escritor sempre preciso Dan Jurgens que também assina a arte junto com Norm Rapmund, além de brincar com o título de uma das histórias mais clássicas do herói também nos mostra o Superman pelos olhos dos mundos e habitantes da DC Comics, tentando de forma imediata, arrancar lágrimas do público logo no início da Action Comics #1000. Os olhos, aliás, sempre estarão irrigados durante a leitura da revista. Ou devido ás lágrimas ou devido aos estímulos visuais das ilustrações que surgem página por página, todas dignas de menção e de serem enquadradas e penduradas na parede. Mas, de todas as histórias, a que merece um destaque especial é The Car. Escrita por Geoff Johns e Richard Donner (sim, este Richard Donner) e com desenhos de Olivier Coipel. De maneira genial, acompanhamos os acontecimentos que se seguiram após a famosa cena do carro, agora já destruído e em uma oficina mecânica, vemos o diálogo do Superman de 1938 com o primeiro vilão da história do personagem, Butch Mason. A história mostra toda compaixão e humanidade do Homem do Amanhã, todo o poder do símbolo que o Superman carrega, com desenhos cheios de energia e vitalidade que homenageiam perfeitamente os traços da época.
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A Action Comics #1000 ainda dá início a nova fase do herói, agora trabalhado por Jim Lee e por Brian Michael Bendis, fazendo sua estréia no título e na DC Comics depois de anos trabalhando na Marvel. Em The Truth, além da volta da cueca vermelha, Bendis usa de humor e leveza para mostrar os caminhos que a dupla seguirá nas 6 edições que virão, e também apresenta um novo vilão. Rogol Zaar é a típica ameaça munida de força bruta e experiência de batalha vinda de lugar nenhum, e seria o responsável por caçar os últimos kriptonianos remanescentes. Apesar do plot já ter sido bastante utilizado, é difícil de acreditar que Lee e Bendis usariam desta ideia se não tivessem grandes planos em mente de como executá-la. A história já se mostrou bem empolgante e sua estreia na maior homenagem do Homem de Aço mostra que ela está olhando para o futuro do herói – sem deixar de mirar o passado.⠀⠀⠀⠀⠀⠀
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Enfim…
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Action Comics #1000 é a homenagem perfeita para os 80 anos do maior herói de todos os tempos. Uma viagem no tempo por páginas criativas e emocionantes com alguns dos maiores nomes que já passaram pela DC Comics. É interessante perceber como o personagem continua, através dos anos, acessando e inspirando pessoas de diferentes idades, nacionalidades, crenças, experiências… Precisamos de um herói, precisamos de esperança. E a esperança nunca morre. Talvez seja isso que faça o Superman invencível… E é por isso que o personagem continuará existindo por mais 80 anos, ou 100, ou 200, ou até que a Terra seja engolida pelo Sol.
Action Comics #1000 é uma ode ao Superman, a todo seu cânone e a tudo que representa, mas precisamos ir mais além. Action Comics #1000 é a homenagem definitiva a uma dupla de artistas que acreditava que podia voar, e que construíram um símbolo da paz e da luta pelos oprimidos. Atrás do ser mais poderoso do universo existem três garotos do interior que acreditam na liberdade e na justiça.
Jerry, Joe e Clark: obrigado por tudo. É graças a vocês que hoje podemos olhar para cima e ver mais do que pássaros e aviões cruzando o azul do céu.