A ideia que define o que é um super-herói vêm sendo modificada há anos. Produções mais recentes como “Invencível” (Amazon Prime), trazem um olhar mais violento e brutal, que por sua vez, acabou ganhando o gosto popular, criando novas discussões a respeito da inadequação do “herói clássico” na modernidade. E pensando nisso, decide falar sobre como o DCEU lida com tais arquétipos.
Quando Joseph Campbell se refere ao arquétipo do herói em “O Herói de Mil Faces”, ele o coloca como aquele que dá vida por algo muito maior que ele próprio. Sendo um ser altruísta e de conduta moral exemplar, um verdadeiro modelo a se espelhar. Quando falamos dos super-heróis, essas qualidades são complementadas com habilidades extraordinárias, os colocando em um patamar acima do humano.
Ao olharmos para o universo DC nos cinemas como um todo, é perceptível diversas interpretações desse arquétipo, ocorrendo variações no decorrer das ramificações de franquias. No início, quando fomos apresentados a nova versão do Superman que, em prol de uma humanização do personagem, o diretor Zack Snyder estabeleceu uma visão mais trágica a ele, emulando em sua história paralelos com lendas e mitos gregos.
Com o passar dos anos e das modificações criativas sobre a direção em que o universo iria caminhar, novas propostas foram estabelecidas e os seus principais títulos acabaram abraçando cada vez mais as ideias clássicas do que é ser um super-herói, se distanciando da visão pessimista e trágica, que foi anteriormente estabelecida.
Dois dos grandes nomes da DC nos cinemas atualmente são a Mulher Maravilha e o Aquaman. Ambos possuem filmes de grande sucesso comercial, além de ter agradado a crítica especializada, e são os longas que mais abraçaram o otimismo e a fantasia dos quadrinhos. Aquaman (2018) usa a fase d’Os Novos 52 como base mitológica de seu mundo, entretanto, James Wan uniu nessa aventura elementos da franquia Star Wars (que bebe diretamente da “Jornada do Herói”) e das lendas arturianas para estabelecer o arco de seu protagonista.
No início, Arthur Cury (Jason Momoa) pode ser visto como um anti-herói, alguém que faz o bem, mas pelos seus próprios interesses e que não mede esforços para obtê-los. Deixando para a morte o pai do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II) no início do filme. A mudança moral do personagem é motivada pelo desejo de pertencimento e, ao abraçar o seu legado e entender quem é, Arthur se torna aquilo que precisa ser, um herói. Até mesmo, poupando a vida de seu irmão Orm (Patrick Wilson) durante o duelo final.
Já a Mulher-Maravilha (Gal Gadot), ela é a personagem que se encaixa perfeitamente no arquétipo do herói. Em Mulher-Maravilha 1984 (2020), a heroína é colocada como uma guerreira pacífica, escolhendo aposentar a sua espada para lutar por um ideal, o da verdade. A sua jornada no filme é de sacrifício em nome da humanidade. Diana precisa abrir mão de seu desejo mais íntimo, o seu grande amor, e servindo de exemplo para toda o mundo.
A visão de Patty Jenkins nesse filme é muito consistente, em meio ao clima inocente e de aventura, a diretora utiliza a personagem como um veículo ideológico anti- armamentista, colocando-a no contexto da Guerra Fria dos anos 80 para criar um paralelo com a modernidade e deixar uma mensagem de esperança e união, mesmo tendo caído em certas armadilhas orientalistas no caminho.
“I hate guns”
Porém, não é só de heróis clássicos que é formado o novo DCEU, existem outros caminhos para onde os protagonistas desse universo podem caminhar e, como exemplo mais notável, está o filme “Aves de Rapina: Arlequina e Sua Emancipação Fantabulosa.” (2020).
Aqui, não existem heróis em seu estado mais tradicional. As personagens do filme se encaixam na ideia de anti-heroínas, pessoas que até defendem uma causa justa, mas possuem motivações pessoais e nem sempre muito nobre. Um dos maiores exemplos disso é a Canário Negro (Jurnee Smollett). Diferente da Mulher-Maravilha, os seus métodos são mais violentos por conta do contexto em que ela é inserida. Como dito, Diana escolheu trilhar um caminho pacífico, algo que não pode ser feito por outros personagens.
As Aves de Rapina são guerreiras reacionárias, o mundo ao seu redor é injusto e perigoso. Não existe a possibilidade de uma abordagem delicada. Dinah é uma mulher preta que teve a sua mãe assassinada pela violência de sua cidade e precisou aprender a se erguer sozinha. Em nenhum momento ela, ou qualquer uma das personagens principais são mostradas tomando o primeiro passo na ação. Elas são coagidas para sobreviver a misoginia do seu mundo.
“Its a Mans World” é umas das músicas tocadas ao início do filme e serve muito para estabelecer a misoginia onde as personagens se encontram. É um mundo cruel e injusto, principalmente para as mulheres. O Máscara Negra (Ewan McGregor) tem como principal arma o poder, humilhando e matando qualquer um que ouse desafiá-lo. É uma questão de sobrevivência, dia após dia, tomando cuidado a cada novo passo, mas, sabendo reagir corretamente a qualquer sinal de perigo.
É interessante as diversas formas que os diversos protagonistas do DCEU são apresentados. A liberdade criativa da nova fase desse universo e a falta da necessidade de uma total conectividade entre os filmes permite que os realizadores experimentem moldes distintos, que conversam com a proposta de cada uma das sub-franquias. Em certos casos, indo em uma direção mais clássica, se distanciando da recente onda popular de heróis mais violentos, e em outros momentos, trazendo para as telas personagens com uma moral dúbia, como será nos casos de “O Esquadrão Suicida” e “Adão Negro“.