Alan Moore | Ele desistiu dos quadrinhos e a culpa é nossa

    Falar da importância de Alan Moore para os quadrinhos é chover no molhado. Grandes obras revolucionárias surgiram da mente desse velho anarquista. Tais como, Watchmen e V de Vingança, só para citar algumas que saíram pela DC. Ambas compartilham o sentimento de revolução, sentimento este, que não acompanha a indústria dos quadrinhos.

    Numa entrevista recente para o El País, Moore destacou como se sente desmotivado a escrever quadrinhos e os efeitos negativos de sua dedicação a essa obra. “Quando comecei nos quadrinhos era um meio criado para a classe trabalhadora, principalmente para seus filhos. Produzia-se e distribuía-se de forma barata para um amplo público adolescente, a idade em que o público tem mais fome de ideias novas e radicais. Agora, quase todos os quadrinhos são para a classe média e sobre ela. Grande parte desse público literariamente moribundo é gente de meia idade motivada pela nostalgia de sua infância e de tempos mais simples”.

    As críticas de Moore não poderiam ser mais acertadas. O autor que sempre demostrou um enorme amor pelos quadrinhos, acompanhou de perto a revolução dessa arte e também a sua estagnação. “Aquilo que foi nossa forma artística hoje é uma paixão em via de desaparecimento para gente que ficou presa na adolescência”, afirmou.

    A falta de amadurecimento do público de quadrinhos não é novidade e infelizmente parece ser algo não vai mudar. O leitor hoje de meia idade que acompanha quadrinhos desde a sua adolescência, não se propôs a acompanhar o princípio básico dessa arte: Fugir do comum. Quadrinhos é uma forma libertadora de se contar uma história. Um meio onde o impossível se torna crível em segundos e principalmente, não há limites. Infelizmente, o público que envelheceu acompanhando essas histórias, se esqueceu de como os quadrinhos significa dialogar com o novo, não sempre dançar com o velho.

    Boa parte do leitor, como disse Moore, é composto por pessoas que vivem um sentimento de nostalgia ensurdecedor. Isso é muito visível quando escritores e desenhistas propõe mudanças em personagens conhecidos e grande parte do público reage de forma negativa. O popular “não mexa no MEU personagem”. É digno de nota, que esse grito é comumente do mesmo perfil; homens, em sua maioria brancos, que costumam consumir o mesmo estilo de conteúdo e deseja que tudo a ser produzido, seja para lhe agradar.

    “Estou cansado da indústria dos quadrinhos. Já tomaram muito do meu tempo. Repudiei 80% de meu trabalho nos quadrinhos, já que não me permitem ser seu dono. Alienaram-me completamente. Não guardo cópias em e não voltarei a ler essas obras”, desabafa Moore. Chega ser doloroso ver esse triste desabafo de umas das mentes mas criativas dos quadrinhos e é ainda mais triste, ver o quanto ele tem razão. Suas obras costumam ser levadas para o cinema e ainda viraram animações e séries de TV. Alan Moore sempre pediu que seu nome não fosse creditado em tais adaptações porque não concorda com o tom delas. Na sua visão, essas adaptações usam os personagens de forma rasa, tornando a história mais um duelo de bem contra o mal, com muita ação para não fazer o público cochilar.

    Apesar de ser fã dos filmes Watchmen e V de Vingança, não dá para negar que alguns temas propostos nas obras originais acabam sendo esquecidos em frente a um meio que pede por ação intensa ou o público vai achar “parado”. Entretanto, na última adaptação feita pela HBO, “Watchmen (2019)” o espírito da obra permanece igual e talvez até mais fresco. Aliás, gostaria muito de saber a opinião do Sr. Moore sobre essa última adaptação.

    Algo destacado por Moore é como suas criações acabaram sendo tiradas dele, não tendo o direito de explorar suas obras com ainda mais profundidade e sempre ter que escrever em frente a um controle severo. “Muitas vezes foi impossível manter a liberdade de minhas criações. E encontrei muita gente que tentou se aproveitar do meu talento. Voltaria a tomar todas as minhas decisões morais, apesar do seu custo. Não tenho remorsos. O único, às vezes, é o próprio fato de ter me dedicado aos quadrinhos.”, reflete Moore.

    Pensando nos leitores, Moore faz uma análise. “O indivíduo comum é capaz de enfrentar uma narrativa complexa, mas muitas vezes não é isso que se oferece a ele. Na cultura popular, primeiro se decide que o público é composto principalmente de simplórios que não apreciariam nada inteligente. Em seguida, são produzidas obras nesse estilo assumindo que é o que a massa quer. Esse processo, prolongado dura décadas, gera um público que dificilmente pode reconhecer um material inteligente, se é o que vê.”

    Como leitor de quadrinhos, muitas vezes me sinto entediado com as fórmulas baratas que são repetidas à exaustão. No cinema, isso é ainda mais evidente, com filmes baseados em quadrinhos que abusam de repetições, onde se troca o nome e personagens, mas a história se mantem a mesma.

    No final, resta ao público querer sempre uma revolução, o que parece cada vez mais distante. De qualquer forma, obrigado por tudo velho louco e desculpas também.

    Lucas Pimentel
    Lucas Pimentel
    Você acredita em milagres? Também não, mas vivo na esperança de um universo de filmes maravilhosos da DC. Enquanto não acontece, sonho e escrevo.

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