Coringa | Análise de “O ano do Vilão”, de John Carpenter

    Lançar HQ’s que acompanham o hype dos filmes é algo comum na indústria editorial. No mês em que tivemos a estréia do filme do Coringa, que está superando todas as expectativas (atualmente com mais de 850 milhões de dólares arrecadados), também temos duas HQ’s chegando ao mercado norte americano: o assunto de hoje, que é Joker – Year of the Villain, e no dia 30 de outubro teremos Joker: Killer Smile, de Jeff Lemire e Andrea Sorrentino.

    Além do hype naturalmente criado em torno da HQ, tínhamos um outro fator que nos causou comoção no anúncio da mesma: ela seria roteirizada por John Carpenter, grande diretor, produtor, roteirista e compositor de filmes – principalmente de terror (Série Halloween, Enigma de Outro Mundo, entre outros). E podemos dizer, em suma, que a história não decepciona: Acompanhamos aqui uma trama narrada por um capanga do Coringa que não conhecíamos, o “Seis de Copas” (essa premissa de um capanga narrando uma história do Coringa remete muito à “Coringa”, de 2008, escrita por Brian Azzarello e desenhada por Lee Bermejo). A história é co-escrita por Anthony Burch, com desenhos de Philip Tan.

    SPOILERS À FRENTE

    No início da história, somos jogados logo de cara à uma fuga do Arkham, onde o Coringa e o Seis de Copas escapam juntos. O roteiro faz questão de nos lembrar de que estamos na continuidade normal do universo DC, onde o Bane dominou toda a cidade de Gotham, e por isso houve facilitação na fuga – policiais nem se esforçam para capturar os fugitivos.

    A relação entre os dois personagens passa por muita aleatoriedade, destruição e caos em Gotham. Porém, também mostra o lado do capanga querer ser aceito, se sentindo livre e ao mesmo tempo com um propósito após muito tempo perdido em sua vida. Os motivos que levaram o jovem “Seis” à rumarem ao mundo do crime são mostrados em flashbacks resumidos à uma ou duas páginas, e os fatos mostrados lembram muito alguns dos problemas enfrentados por Arthur Fleck no filme “Coringa”: problemas com os pais, desde abusos e descasos, até as consequentes fugas.

    Com o caminhar da história, além do foco no Seis de Copas, temos em evidência alguns dos traços mais doentios do Coringa, o que nos trás um interessante paralelo: O filme que chegou nos cinemas no mesmo mês que esta HQ, tem causado muitas polêmicas (tópicos já discutidos aqui no site, inclusive), que colocadas lado à lado com a trama da HQ, parecem muito mais tranquilas: Carpenter nos mostra um Coringa que, em poucas páginas, incita um grupo de homens contra a vilã Magia, após esta supostamente rejeitar o Seis de Copas.

    Após Magia chegar em Gotham à mando de Amanda Waller para que tente apaziguar a destruição causada pelos vilões, Seis de Copas fica vislumbrado com sua beleza, ao mesmo tempo em que se sente mais e mais inseguro e humilhado por um simples olhar da mesma.

    E, em um momento de quase contato mental de psicopatas, o Coringa já entende os pensamentos auto-humilhantes e raivosos de seu subalterno, criando posteriormente uma militância masculina contra a vilã, com dizeres como “A bruxa está humilhando vocês! Se levantem e se imponham, não se rendam à uma mulher possuída pela demônio”. Como tudo ocorre bem depressa, não existe muito desenvolvimento desta parte da trama, e fica para nossa imaginação o que aconteceu depois nessa “caça à bruxa” de Gotham. Se alguém ainda acredita na narrativa do filme do Coringa incitar desajustados da sociedade de alguma maneira, deveriam ler essa HQ, que abraça a polêmica de forma muito mais aberta e explícita. O autor deixa claro como o seu Coringa incita os homens raivosos a fim de aumentar o caos da cidade.

    Ao mesmo tempo em que enxergamos algumas facetas similares entre o Seis e o Coringa, também temos alguns indicativos de sanidade do primeiro: Ele fica claramente horrorizado quanto o Coringa mata uma pessoa e seu cachorro, e também tenta intervir quando o Coringa iria matar um atendente em um restaurante. O que nos leva ao fim da história, e à outro ponto polêmico / interessante a ressaltar na edição, sequência esta que chamou bastante a atenção de sites especializados: O Coringa sadomasoquista. Em dado momento, onde o Coringa e o Seis de Copas tomam rumos diferentes, o Seis (com a mente extremamente agitada e confusa) decide ir até sua casa, ao encontro de sua mãe.

    Ao adentrar o apartamento, se depara com a sua mãe amarrada à uma cadeira, claro, pelo Coringa. Este, ao mostrar descaso e desinteresse pela história do Seis, na verdade prestou atenção à cada detalhe dito pelo capanga, o que facilitou a busca pela casa do mesmo.

    Neste momento, ao partir pra cima do Coringa, o mesmo não demonstra se incomodar com as pancadas que está levando. Muito pelo contrário, ele gosta delas, pedindo para que o Seis de Copa bata mais forte (a onomatopeia da risada – ha ha ha – se tornar um “Harder”).

    Como se não fosse o suficiente em polêmicas – não estamos reclamando, manda mais Carpenter – o Coringa assume a retaguarda do confronto, espancando o garoto em quadros similares ao espancamento do Jason Todd com o pé de cabra. O fato do Seis estar vestido de Robin e o Coringa de Batman, após assaltarem uma loja de conveniência, só reforça a referência à morte do segundo Robin.

    Na sequência final, temos um relativo final feliz, pois Seis acaba sobrevivendo e libertando a sua mãe. Porém a cena final com a reconciliação não apaga toda a brutalidade e loucura apresentadas na história. Apesar da narrativa levemente apressada devido ao limite de cerca de 30 páginas, era tudo o que esperávamos de uma história de um dos mestres do horror contemporâneo.

    Nota:

    Daniel Martins
    Daniel Martins
    Louco por explorar vários cantos da cultura pop, em especial filmes e HQs. Fissurado em Batman, Christopher Nolan, Zack Snyder e jogos 16 bits.

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